Meu pai, que Deus o tenha no céu, morrendo, deixou-me a sua pequena fazenda. Vivia deslumbrado, sem nenhum amargor, amigo de todo mundo. Ali, esquecido naqueles ermos, aprendi a esmiuçar as coisas, decifrar os mistérios, o campo me ensinava, ajudava-me a compreender a vida. Tudo possuía um aspecto de alegria eterna, o sol ou o vento, a noite ou a água. Gostava de ficar deitado sobre a “barcaça” aberta, sonhando, contando indefinidamente as estrelas do céu. Idealizava, naquelas noites de solidão, o céu nos meus olhos como um desenho mágico, idealizava grandes aventuras, exóticas histórias de amor e guerra. Sentia-me inocente como a ave de ninho feito na cumeeira da casa. Assim - como é triste lembrar! - decorreram anos, muitos anos da minha vida. Uma tarde, porém, voltando do rio, encontrei um homem, uma pessoa estranha. Chamava-se Manuel Pedro.
Quer saber quem era Manuel Pedro? Como era Manuel Pedro? Olhos vivos de gato em uma fisionomia parada de estátua. Dir-se-ia não haver sangue, sangue e nervos, no rosto chato. Apenas um bloco de carne, sem pêlos, nariz acurvado como bico, testa ampla, boca pequena, sempre fechada, escondendo os dentes de animal carnívoro.
"Os Servos da Morte", Adonias Filho
(Adonias Filho nasceu no dia 27 de Novembro de 1915. Morreu em 1990.)
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