quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Mário Jorge

pedrada 

em tempo de dura andança
(povoado de inimigos
armados de ilusões)


é pedra a flor na estrada
(cercada de cemitérios
onde cruzes são cifrões)


é pedra feita palavra
(quase sempre sepultura
do trabalho apodrecido)


palavra filha do gesto
(para os velhos: indigesto)


leve e puro do menino
(flor sa(n)grando rebeldia:
clara semente da aurora)


quebrando o negro cristal
(estrela velha, caída
na noite da mais-valia)


estilhaçando a vidraça
(redoma, muro, prisão:
precipício solidão)


em tempo de dura andança
(a liberdade germina
no seio de falsos natais)


a pedra, a flor, a palavra
o gesto, o dia, a estrada
brotam
das mãos do menino:
estrelas de sangue, esperma e argamassa
sóis de fúria e pranto e alegria
iluminando
o novo horizonte: claro e verdadeiro
como o azul que nasce do ventre da manhã


Mário Jorge

(Mário Jorge nasceu no dia 23 de Novembro de 1946. Morreu em 1973.)

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