sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

José Manuel Capêlo 5

E se tu não existisses?
 
E se tu não existisses? Se apenas fosses
um secreto lugar onde se escondem as montanhas?
Se ninguém fosse teu, como da terra os oceanos
e os lugares, os dons da luz e da cor?
Poderias ser como o oco das máscaras e dos falsos ocasos
a vulgar penumbra dos locais e dos rostos indescritíveis
um sorriso pleno aos lugares dos corpos
rio paralelo de uma ponte sem margens, sem dor
sem força. E se tu não existisses? Poderias ser
apenas sorriso que se fizesse em lugar reservado
um olhar por entre os corpos que se movimentam
num recinto de dança, entre abraços de ocasião.
Se apenas fosses esse lugar, talvez que os teus olhos
se tornassem azuis de tanto serem verdes. Sorrir-me-ias
com o mesmo encanto com que teus lábios suavíssimos
se me sorriam, pois longe está o corpo do homem próximo
como perto, está o meu de beleza indómita e salvagem.
Lembrei-te, porque se existisses, eras meu corpo
nesta terra de alegria. E como é triste esta terra
de alegria-assim, réstia de um lugar donde se vêem
os olhos, que, de tão sedentos, cegos são.

José Manuel Capêlo

(José Manuel Capêlo nasceu no dia 29 de Janeiro de 1946. Morreu em 2010.)

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