As metamorfoses do macaco
Jacó, flor das raças monas
E aluno de um piemontês,
Fazia entre mil gaifonas
Coisas que o demo não fez.
Quanto via, arremedava
Por modo tão natural,
Que o piemontês lhe chamava
Daguerreótipo animal.
Se falasse assombraria;
Porém, mesmo sem falar,
Em toda a macacaria
Era um bichinho sem par.
Um dia em certa barraca
De uma feira, onde brilhou,
Com arte mais que velhaca,
Lustroso espelho empalmou.
Viu-se; pasmou. "Que diabo!
Pois eu tenho a cara assim?!
Ó bruxas, de mim dai cabo,
Ou condoei-vos de mim!
Machuchas mestras de tretas,
Se cabe em vós pio dó,
Deixai-me o dom das caretas,
No mais transformai Jacó."
Bruxinha de génio gaio
Despachou-lhe a petição.
Eis, o mono, papagaio!
Eis nova consumição!
"O meu falar é mui rico!
Quanto às penas, guapo estou!
Mas este bico!... este bico!
Quem tal ratice inventou?!
Bruxa honrada! eu to aconselho,
Vá nova transformação."
Diz: torna a encarar o espelho...
Vê-se estrelado pavão!
Espaneja-se garboso!
Ama-se; está como um dez.
Senão quando... ai, desditoso!
Repara... que horrendos pés!
Novo rogo impertinente:
"Por esta vez, e não mais",
Diz a velha impaciente,
"Quero ceder aos teus ais.
Do que tu mesmo aprovaste
Nas três formas que te dei,
Para teu consolo baste,
Que esta final te armarei;
Terás as visagens ricas,
O papagaial palrar;
Do pavão as galas ricas...
Pegar no espelho! mirar!"
Mira-se, exulta. Só nota
Perfeições no todo seu.
Hoje chamam-lhe "janota",
Bicho incógnito a Lineu.
António Feliciano de Castilho
(António Feliciano de Castilho nasceu no dia 28 de Janeiro de 1800. Morreu em 1875.)
Sem comentários:
Enviar um comentário