Foto Hernâni Von Doellinger |
A notícia espalhou-se como fogo em mato seco: um automobilista acabara de atropelar mortalmente uma pega, toda esmigalhadinha. Assassino! Juntaram-se imediatamente a Quercus, o PAN, a Protectora dos Animais, a Greenpeace, dois dirigentes da Juve Leo, trinta e dois indignados das redes sociais, quatrocentos youtubers, seis cães que tinham levado os donos a almoçar fora e vários elementos do movimento cívico e espontâneo SOS Grilo Careca de Asa Redonda e Perna Curta, que está muito bem organizado para estas emergências. Rodearam o carro, arrancaram o automobilista cá para fora e encheram-no de carolos e caneladas, para ele aprender. Só não chegaram ao linchamento porque, regra geral, desconheciam a palavra, e os poucos que a conheciam de vista confundiam-na com lixamento e achavam que, para lixar o energúmeno, os carolos e as caneladas já estavam muito bem.
Apareceu a GNR. A autoridade aproveitou para também molhar a sopa, quer-se dizer, o automobilista caiu sozinho sobre duas secretárias e esbarrou-se sem ninguém lhe tocar num armário ali no meio da via, e, posto isto, foi-lhe ordenado que se explicasse. O automobilista explicou-se. E convenceu. A Quercus, o PAN, a Protectora dos Animais, a Greenpeace, os dirigentes da Juve Leo, os tinta e dois indignados das redes sociais, os quatrocentos youtubers, os seis cães da vida airada, os espontâneos do SOS Grilo Careca de Asa Redonda e Perna Curta e a própria GNR fartaram-se de pedir desculpas ao homem e até lhe deram os parabéns e os primeiros-socorros. Tudo não passara de um pequeno mal-entendido, erro de comunicação. Afinal o automobilista não tinha morto uma pega ou Pica pica melanotos, seria uma tragédia, tinha apenas atropelado mortalmente uma pega meretriz de beira de estrada, solteira e mãe de três filhos, toda esmigalhadinha. É chato, mas são coisas que acontecem...
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