segunda-feira, 30 de julho de 2018

Dom António, o outro 2

Foto Tarrenego!

No princípio era a contestação. Quero dizer: ainda António Rafael não ocupava o lugar de bispo de Bragança e já muitos bragançanos se levantavam contra a nomeação de mais um prelado "estrangeiro", desta vez vindo de Lamego. Tudo começou em 1979, nos preliminares da tomada de posse, no interior do próprio Cabido, onde, segundo amigos do nomeado, haveria cónegos "da terra com pretensões ao lugar". A contestação foi alastrando ao resto do clero e acabou inundando o mundo laico.
Desde então, de tempos a tempos, cartas (abertas ou anónimas), queixas, críticas, abaixo-assinados e outros documentos de protesto foram fazendo a história dos doze anos de purgatório de D. António Rafael, que, desconfiado dos seus cónegos e dos seus padres, cada vez mais sozinho e atacado, chamou a Polícia Judiciária a terreiro para aclarar os nomes dos clérigos rebeldes.
Razões ou pretextos para a confrontação nunca faltaram. Das questões funcionais - substituição do Cabido, direcção da Casa do Clero, divisão de Bragança em seis paróquias, contas e obras na diocese, "desvio abusivo" de imagens santas do património das igrejas locais... - às de natureza pastoral - as intervenções de "carácter político"em detrimento do religioso -, tudo tem servido para alimentar a polémica.
Convenhamos: este nem é pecado original na diocese. Nos últimos duzentos anos, raros foram os bispos de Bragança e Miranda que se aguentaram na cadeira. Pelo contrário, muitos foram "corridos" ou ausentes, por "mal satisfeitos", e durante largas temporadas o paço episcopal esteve sem inquilino, como reza recente estudo do cónego Adelino Pais.
E se a desventura episcopal parece ter começado por volta de 1790, com D. Bernardo Ribeiro Seixas, a quem os cónegos chamavam "diabrete", a peripécia mais sinistra - conta-se - terá acontecido antes, em 1756, com D. Frei João da Cruz, carmelita descalço que, por indesculpável lapso, foi enterrado vido.
Será um exagero, no entanto, concluir que Bragança sempre tratou mal os seus bispos, que também os houve bons. É o que defende, por exemplo, Fernando Calado, de A Voz do Nordeste, que elenca "doentes maníacos, homens tímidos que ao primeiro sinal de guerra abandonavam o seu rebanho às garras do inimigo", mas também nomes de bem-amados, "homens maiores, que fizeram obras grandiosas e glorificaram a Deus".

(Segunda parte de um trabalho que escrevi para a revista Sábado em Dezembro de 1991, na sequência de uma entrevista que fiz ao bispo de Bragança e Miranda, para o jornal O Primeiro de Janeiro, um ano antes. António José Rafael morreu ontem, com 92 anos. Amanhã volto ao assunto.)

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