O mal dos incêndios dominados é que não gostam que lhes chamem isso:
dominados. É uma questão de orgulho macho. E então arrebitam e continuam a
arder lampeiramente uma semana depois de terem sido decretados dominados
aos microfones da CMTV, e a CMTV fica toda contente. Os oficiais da Protecção Civil, que são umas pessoas muito
honradas e de boina que antes deste rico emprego nunca tinham posto os pés num incêndio, tiraram um
curso relâmpago de Teatro de Operações, Meios Aéreos & Pontos de
Ignição e gostam de dar na televisão: o mais que dizem é que os
incêndios de manhã, se não estão já dominados, vão entregar-se às
autoridades a meio da tarde.
Os bombeiros estão lá no centro do vulcão a derreter, mas a eles agora
ninguém lhes pode perguntar nada. E ainda bem, porque lá dentro faz muito calor e o
calor dilata os copos. O senhor da boina no camião de Fórmula 1 com ar
condicionado é que sabe, e bebe águas das pedras. Geladas. E há briefings bidiários com groselha.
Quando o monte ardia, os bombeiros iam. Os bombeiros voluntários. Naquele tempo ninguém sequer sonhava ganhar dinheiro por fazer de conta que apaga incêndios - eram uns tolos! Não havia rede, satélites, parabólicas ou fibra óptica, ainda não havia radiotelefones, os telemóveis ainda não tinham sido inventados e nem sequer havia cabinas telefónicas nos montes. Parece impossível, mas lá em cima, no meio da penedia e das giestas, no Portugal das cabras e dos cabrões, não havia telefone de espécie nenhuma. E não havia SIRESP, graças a Deus! Que se segue: se eram precisos reforços, alguém vinha de motorizada dar o recado ao quartel...
O mal dos incêndios dominados é que não gostam que lhes chamem isso:
dominados. Freud explicaria muito melhor do que eu, mas eu, de momento, não tenho o Freud aqui à mão e, com isto do desemprego, perdi-lhe o número do telemóvel. Por outro lado, os
incêndios estão desgostosos por lhes terem trocado o nome. Chamavam-se
fogos antigamente e eram para apagar. Exactamente, fogos. E para apagar.
Velhos tempos, coisas simples: Portugal ardia menos e não havia tanto
teatro... de operações.
P.S. - Minúsculo esclarecimento, provavelmente desnecessário: Teatro de Operações, vulgo TO.
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