A problemática dos bolinhos de bacalhau
"Dois painéis de jornalistas do jornal Público
e especialistas em gastronomia", um painel em Lisboa e outro painel no
Porto, "reuniram-se" para provar bolinhos de bacalhau (pastéis de
bacalhau, para quem lê na capital) comprados fresquinhos "em diferentes
pastelarias nas duas cidades". Diz o matutino que foi uma desilusão: as
amostras recolhidas reprovaram todas por indecente e má figura...
Mas de que é que estavam à espera os ilustres paineleiros? Bolinhos de
bacalhau em Lisboa e no Porto? E de pastelarias e cafés, percebi bem? Panikes e croissants com chocolate, isso é que os dois comités de sábios deveriam ter provado...
P.S. - Escrito e publicado originalmente no dia 3 de Março de 2013.
Os bolinhos da Albertinha da Lameira
Os melhores bolinhos de bacalhau do mundo eram os da Albertininha da
Lameira, em Fafe. Contava a lenda que eram moldados no sovaco da
prendada cozinheira, o que lhes emprestaria aquele gosto tão peculiar. A
vila antiga dava-se muito a estas lendas: dizia-se também, por exemplo,
que os tremoços da Marrequinha da Recta eram a especialidade que eram
porque a boa senhora lhes mijava.
A verdade é esta: ainda cheguei a ver a Albertininha, numa tarde de
sábado, a fazer a massa dos famosos bolinhos, de alguidar entre as
pernas, junto ao fogo da lareira, mas a história do sovaco enformador
era uma treta - isso posso jurar, e tive pena.
Os bolinhos do Manel do Campo
também eram de se lhes tirar o chapéu. E, de um modo geral, as pensões e
os tascos de Fafe faziam gala de confeccionar e servir um produto, como
agora se diz, fiel às origens e de altíssima qualidade. Esta tradição
local mantém-se, em sítios como, veio-me agora a ideia à boca, o Fernando da Sede
(Adega Popular). Os bolinhos de bacalhau com salada de feijão-fradinho e
arroz do Fernando surpreendem e encantam os visitantes, e, para os da
terra, são uma esplêndida entrada para a vitelinha que há-de vir. Mas
isso, nos tempos que correm, é já refeição a pedir uma segunda hipoteca
da casa.
É. Os bolinhos "de morrer por mais" são no Minho - bem o sabia mestre Aquilino. Em Fafe, é claro, mas também no Manuel Padeiro e no Gaio, em Ponte de Lima e em dias sim, ou no Conselheiro, em Paredes de Coura, sempre. Em sítios assim, que os há bons e tantos.
Parece-me tolice, portanto, criar uma task force de "especialistas" e simpatizantes, como fez o jornal Público,
para provar bolinhos de bacalhau comprados em pastelarias e cafés de
Lisboa e do Porto. Ainda por cima, os lisboetas chamam "pastéis de
bacalhau" aos bolinhos de bacalhau. (É como os franceses chamarem
"fromage" a uma coisa que toda a gente sabe que é queijo). Só podia dar
merda e deu. Já se sabia. Já deviam saber. Qual era a ideia? E tomem
nota os doutos paineleiros: o resultado seria o mesmo se mandassem vir
arroz de grelos, pastelões de petinga, pataniscas ou caldo de nabos. Os
cafés e as pastelarias do Porto e de Lisboa não são para esses preparos,
estão a perceber? Vá lá, o caldo de nabos... talvez.
P.S. - Escrito e publicado originalmente no dia 5 Março 2013.
Os piores bolinhos de bacalhau do mundo
O piores bolinhos de bacalhau do mundo são num pequeno café, em Penafiel. Três mesas, dois jornais, um balcão sumário e a simpatia imensa do dono. Os bolinhos
são tão maus, tão maus, que nunca falho quando por lá passo a horas de
aperitivar. Meto o pé no degrau da entrada, ao baixo, e sai logo meia dúzia de
pedras de gelo directamente da arca frigorífica para a fritadeira de
óleo cansado, que é "Para o senhor, para serem fresquinhos". Agradeço a
deferência e reservo-me. Cinco minutos, não mais. As pedras de gelo vêm
para a mesa a ferver e a pingar, agora em forma aparentada com a dos
verdadeiros bolinhos de bacalhau, queimam-me a boca e antes assim, que
enganam o paladar. Não sabem ao bacalhau que não têm, mas também não
sabem à batata que são só. Escangalham-se ao toque. São maravilhosamente
intragáveis e eu como-os. Já disse: o patrão é gente boa e tem três
mesas e dois jornais no estabelecimento. Sei dar valor às coisas
verdadeiramente importantes. Para apagar o incêndio, bebo uma taça de um
obscuro vinho branco de cápsula que sabe a remédio mas não faz bem.
A minha mulher e eu descobrimos o cafezinho por acaso e já lá levei três
ou quatro amigos. Para provarem "os piores bolinhos de bacalhau do
mundo", é o que lhes prometo, e os amigos depois concordam. Aqueles
bolinhos nunca me deixaram ficar mal. Merecem um prémio.
Até porque nos abrem horizontes. A seguir, íamos à Pita Arisca, em Lousada, comer o melhor cabrito do mundo...
P.S. - Escrito e publicado originalmente no dia 6 de Março de 2013.
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