Os dois homens começaram a descer a encosta. O velho Patuá vinha na frente. Era um cabra de ombros estreitos, grande bigode e pernas em arco, muito firmes ainda para a sua idade. O negro Guido seguia-o de perto, sustendo na mão esquerda a capanga de munição. Na semi-obscuridade da madrugada, o vale esboçava amplos paredões hirtos, encaixotando funebremente o rio. Os dois homens saltavam de uma pedra para outra, desciam pelos lajedões talhados quase a pique, subiam por íngremes atalhos, e logo reapareciam atrás de uma touça de malva ou de velame, com uma agilidade de cabritos monteses. Agora, porém, tinham eles conseguido alcançar um trecho melhor do caminho, e andavam num passo regular, encolhidos nos capotes surrados.
O ar era frio e úmido.
- Será que ele passa hoje? - perguntou Guido.
- Tem de passar - respondeu o outro homem. - Não é possível que o santo dele seja tão forte.
- Olhe que já faz dois dias que nós esperamos por ele...
- É assim mesmo. Tem emboscadas que dão muito trabalho. Você ainda não viu nada.
"Emboscada", "Antologia Escolar de Contos Brasileiros", Herberto Sales
(Herberto Sales nasceu no dia 21 de Setembro de 1917. Morreu em 1999.)
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