Todas as noites canto, porque sou pago para isso, mas as canções que ouviste eram pezinhos e sapateias
para os turistas de passagem e para aqueles americanos que se estão a
rir lá ao fundo e que daqui a pouco se vão embora aos ziguezagues. As
minhas verdadeiras canções são só quatro chama-ritas, pois o meu
repertório é escasso, e depois eu estou a ficar velho, e fumo de mais e a
minha voz está rouca. Tenho de vestir este balandrau açoriano que se
usava em tempos, porque os americanos gostam do pitoresco, depois voltam
para o Texas e contam que estiveram numa tasca, numa ilha perdida, onde
um velho com uma capa cantava o folclore do seu povo. Querem a viola de
arame que dá este som de feira melancólica, e eu canto-lhes modinhas
pirosas onde a rima é sempre a mesma, mas tanto faz, eles não percebem
e, como vês, bebem gin tónico. Mas tu, o que é que procuras, que todas
as noites vens aqui? Tu és curioso e procuras outra coisa, porque é a
segunda vez que me convidas a beber, mandas vir vinho "de cheiro" como
se fosses dos nossos, és estrangeiro e finges falar como nós, mas bebes
pouco e depois ficas calado e esperas que fale eu. Disseste que és
escritor e, no fundo, talvez a tua profissão tenha alguma coisa a ver
com a minha. Todos os livros são estúpidos, há sempre pouco de
verdadeiro neles, e contudo li muitos nos últimos trinta anos, mesmo
italianos, naturalmente todos traduzidos, aquele de que mais gostei
chamava-se Canaviais no Vento, de uma tal Deledda, leste-o? E
depois tu és jovem e gostas de mulheres, bem vi como olhavas para aquela
mulher muito bonita com o pescoço alto, olhaste para ela toda a noite,
não sei se estás com ela, também ela olhava para ti e talvez te pareça
estranho, mas tudo isto acordou em mim qualquer coisa, deve ser porque
bebi de mais. Sempre escolhi o demais na vida e isto é uma perdição, mas
não há nada a fazer quando se nasce assim.
"A Mulher de Porto Pim", Antonio Tabucchi
(Antonio Tabucchi nasceu no dia 24 de Setembro de 1943. Morreu em 2012.)
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