terça-feira, 2 de setembro de 2014

Fajãs de São Jorge: as terras esquecidas 5

O guardador de amêijoas. É do outro lado da ilha, no norte. Atravessamos a serra de costa a costa e iniciamos a descida pela Ponta Norte Pequena, deslocando-nos para leste. Passamos ao de longe pela Fajã do Ouvidor e, apontados ao destino, obrigamo-nos à paragem para, por momentos, gozarmos uma paisagem verdadeiramente de postal ilustrado: à nossa frente, muito ao fundo, agasalhada pelo leve manto da transpiração da terra, a visão magnífica das fajãs dos Cubres, em primeiro plano, e da Caldeira, ao longe, adornadas pelas suas lagoas. O automóvel desce-nos até aos Cubres e por aí se fica.
A vista alcança a Graciosa e a Terceira, do lado de lá do canal, enquanto desafiamos - encosta acima, encosta abaixo - uma marcha forçada por carreiro tortuoso, íngreme, pedras soltas e traiçoeiras, lajedos puídos, um pé de cada vez. Penedia e mar espreitam perigosamente do abismo, numa companhia incómoda, quase até ao fim do percurso. Na fase terminal, então já ao nível do oceano, vistoriamos as ruínas das fajãs do Belo e dos Tijolos e, num pulo, pomo-nos na Fajã da Caldeira do Santo Cristo.
Fora uma bem suada hora de caminhada. Paramos e respiramos. Vemos, ouvimos, um espaço breve, belo, esquecido.
Passamos pelo exterior de uma lagoa subterrânea, dentro de uma furna abobadada, com acesso por um estreito corredor, também subterrâneo, dizem-nos, mas andamos é para a lagoa de água salgada, onde se reproduzem as célebres amêijoas da fajã. Pelo seu sabor, pelo seu tamanho, são prémio de excelência para o esforço da viagem. Ali nos encontramos com o Senhor Luís, o homem que há sete anos guarda a lagoa. Será o nosso guia e quem nos vai contar as singularidades da mais diferente, típica e misteriosa de todas as fajãs.

Luís, guardador de amêijoas, é o senhor da direita

(Os Açores vão candidatar as fajãs de São Jorge a Reserva da Biosfera da UNESCO. Fazem bem e já vão tarde. Tive a sorte de palmilhar as fajãs há coisa de vinte anos, e contei o que vi e senti na revista Tempo Livre (n.º 30, Junho de 1993). Estou a repetir o texto então publicado e a fotografia de hoje é um extra. Continua amanhã.)

2 comentários:

  1. Nunca fui aos Açores. Mas acho que já não preciso. Basta ler estas prosas para conhecer bem uma parte muito interessante de uma das ilhas. Fico à espera do resto.
    Grande abraço,
    P.

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