No interior do Brasil a hospitalidade é um dever sagrado que se cumpre religiosamente. Nossa casa vivia apinhada de criaturas estranhas, vindas de longe.
Às vezes, tarde da noite, ouviam-se rumores no terreiro. Eram hóspedes pedindo pousada.
Ao hóspede que chega não se pergunta de que precisa. Quem vem de longe, através de caminhos difíceis e desertos, certamente tem cansaço e fome. Necessita de alimento e de cama.
À nossa porta, ora à meia-noite, ora mais tarde, chegavam freqüentemente dez, doze, quinze pessoas desconhecidas. A essa hora acordavam meu pai e minha mãe para mandar fazer comida para os hóspedes.
Em certos dias, ao amanhecer, eu despertava num quarto que não era o meu e no meio de um punhado de crianças. É que nem sempre havia redes, para todas as pessoas de fora. A família desalojava-se: dormiam duas ou três pessoas juntas, para que não faltasse boa acomodação aos estranhos.
Em outras ocasiões, quando os hóspedes chegavam o "gaiola" havia passado na véspera. Só havia outro, dez ou quinze dias depois.
Dez ou quinze dias ficavam famílias inteiras em nossa casa, morando e comendo tranqüilamente.
Ao se despedirem apertavam a mão de minha mãe, apertavam a mão de meu pai, dizendo-lhes "obrigado" e nada mais.
É que nada mais lhes era permitido. No sertão do Brasil, quem perguntar o preço da hospedagem ofende aquele que a deu.
A hospitalidade por lá é uma religião e ninguém se furta a um dever religioso.
"Cazuza, Memórias de Um menino de Escola", Viriato Correia
(Viriato Correia nasceu no dia 23 de Janeiro de 1884. Morreu em 1967.)
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