terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Josué Guimarães

Quando Carlos Frederico Jacob Nicolau Cronhardt Gründling desceu o punho fechado sobre a mesa da bodega, fazendo saltar garrafas e copos, sacudindo o candeeiro de óleo de peixe que pendia do teto - berrando que toda a valia do mundo estava no dinheiro, nos patacões de ouro e em tudo aquilo que se pudesse comprar com eles - estava transtornado pela cerveja e certo de que nenhum dos seus compatriotas abriria a boca para contestá-lo. Mesmo porque todos já estavam bêbados. Gründling empinou, já de pé, uma outra talagada de cerveja mal fermentada, gesticulando sempre, com ouro se compra mulher, escrava, branca, mestiça, terra e carroças, se compra gado ou negro, delegado de polícia e até presidente. Sim, senhores, até presidente, sei de casos contados por gente de respeito, dinheiro tirado do bolso do colete e passado pela manga do casaco, feito burlantim. Por dinheiro se faz revolução. Sabem de alguma guerra que não tenha sido feita por dinheiro? Dinheiro corria até nos Tugendhund dos universitários alemães. Bem, vocês dirão, não se nasce com dinheiro. Mas eu pergunto - alguém já conseguiu sobreviver sem dinheiro?
Derreou-se no banco como um saco. Ria frouxo. O riso saía espremido por entre a barba ruiva e fechada, os olhos mortiços raiados de sangue, bigode agressivo bordado pela espuma amarela da cerveja. 
 - Ouro é o que vale - insistiu no seu bom alemão. - Digo a vocês agora que Deus inventou o negro para derrubar mato, cavar terra e carregar água. Não há sol que consiga queimar a sua pele, as patas e as mãos deles têm tais cascos que fazem a inveja de quanta mula existe por aí, da Feitoria às bandas do Uruguai.

"A Ferro e Fogo I - Tempo de Solidão", Josué Guimarães

(Josué Guimarães nasceu no dia 7 de Janeiro de 1921. Morreu em 1986.)

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