O meu avô da Bomba era muito amigo dos animais. Gostava deles por perto, se fosse no prato melhor. Tinha andorinhas. Sim, o meu avô da Bomba tinha as paredes exteriores da casa de quarteleiro enfeitadas com andorinhas de porcelana e um crocodilo também de louça que tomava conta da entrada pelas escadas interiores. O crocodilo apresentava a mandíbula inferior presa por arames, deve ter sido luta valente, história antiga feita segredo de família, porque eu nunca conheci o bicho doutra maneira e até hoje ninguém me contou o sucedido.
O meu avô tinha uma tremenda paixão por pintassilgos e canários. Apanhava-os à falsa fé nuns alçapões que ele próprio fazia e depois alimentava-os e educava-os com paciência de chinês e desvelo de pai babado, espiando-lhes diariamente a definição da plumagem e ensinando-os ti-trrriii a dobrar o canto. Quando os considerava prontos, de solfejo na ponta da língua, o meu avô apresentava-os então à sociedade local, chamava os especialistas para uma primeira audição pública. A ocasião era solene. Era o momento da verdade. "Este não o vendo nem por dois contos", costumava dizer a mangar, se a exibição corria bem, mortinho que lhe aparecesse logo ali um comprador por muito menos. O meu avô era assim, sabia-a toda.
Na Bomba havia cão, geralmente Roni, havia coelhos e galinhas. As galinhas eram fundamentais naquele lar de entusiásticos consumidores de medicamentos e canjas. Havia cabrito na engorda pela Senhora de Antime, como manda a boa tradição fafense, e houve porco, pelo menos uma vez. O meu avô mandou capar o porco, lembro-me muito bem dos guinchos do pobre animal e aquilo afligiu-se-me até aos ossos. Eu estava de partida para o seminário, diziam-me que também ia ser capado, estão a ver portanto a pena que me fazia o porco...
O meu avô da Bomba, que construía alçapões para caçar canários e pintassilgos, mantinha uma banca de sapateiro, velho e honrado ofício de que nunca se apartou. E fazia para casa sandálias e sapatos, daqueles que duram duas ou três vidas. Fez os sapatos que o meu padrinho e tio Américo levou no dia do seu casamento com a querida tia Laura, e que catitas que eles eram: os sapatos e os noivos. O avô da Bomba era uma artesão habilidoso e perfeito. Mãos de ouro. Uma figura. Fazia também fisgas, que dava de prenda aos netos. Depois mandava-nos matar pardais.
Mais uma vez muito obrigado por este ilustre texto dos Bombas.
ResponderEliminarBjos enormes Miguel
Abraço, Miguel.
EliminarDepois de ler mais esta bela prosa nem me atrevo a perguntar em que condições voltaste do seminário...
ResponderEliminarGrande abraço,
P.
Abraço, P.
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