sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Cruz e Sousa 2

Emoção

Não sei que estranho frisson nervoso percorre-me às vezes a espinha, me eletriza e sensibiliza todo como se o meu corpo fosse um harmonioso teclado de cristal vibrando as sonoridades mais delicadas.
Um ombro aveludado e trescalante a frescuras aromáticas, que pelo meu ombro levemente roce na rua, num encontro fortuito, produz-me um estado tal de volúpia, dá-me tão longa, larga volúpia, que me vejo por entre incensos, festivamente paramentado como o sacerdote que ergue o cálice acima da cabeça, ao alto do altar-mor dos templos doirados, sentindo que uma aluvião de almas crentes o adora de joelhos.
A mão fina, ideal, calçada em luva clara, de formosa mulher que por entre a multidão aparece e desaparece, como uma estrela por entre nuvens, bem vezes, também, me alvoroça e agita o sangue.
E sigo, radiante, triunfal, rei, essa nobre mão enluvada, à qual eu em vão pediria o ouro, a riqueza afetuosa de um gesto carinhoso - a essa delicada mão avara e milionária que, para mais avara tornar-se ainda, se fora esconder na maciez elegante da luva fresca, vivendo dentro dela afagada, confortada, palpitando talvez por encontrar a mão feliz que vibrará de amor ao seu contato.

[...]

"Missal", Cruz e Sousa

(Cruz e Sousa nasceu no dia 24 de Novembro de 1861. Morreu em 1898.)

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