A minha gente materna e paterna subira, naturalmente, dos municípios da mata e do sertão para a nova capital. De ouvidores e capitães-mores na Colônia, de deputados provinciais e gerais do Império, presidente de Estado, deputados e senadores, estaduais e federais na República, chegavam a Belo Horizonte contando gerações a serviço do povo mineiro. Eram, por isso mesmo, naturais na sua independência sem sobranceria. Nunca - mas realmente nunca, nem um só dia, nem uma só vez - senti na minha casa a triste necessidade da subserviência, da adulação ou da abdicação da personalidade, para defesa de uma melhor situação na vida. Era, autenticamente, uma família senhoril; de senhores mineiros, bem entendido, modestos, sem luxos nem riquezas, mas senhores. Isto é, gente simples mas altiva, incapaz de sofrer qualquer humilhação para subir na vida. O que os diferençava, talvez, de outros grupos familiares no mesmo gênero, existentes no Estado, era a ininterrupta tradição intelectual que fazia da literatura, na nossa casa, uma coisa comum, uma conversa de todo dia. A literatura nos acompanhava desde a Colônia.
"A Alma do Tempo", Afonso Arinos de Melo Franco
(Afonso Arinos de Melo Franco nasceu no dia 27 de Novembro de 1905. Morreu em 1990.)
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