Criamos instituições de caridade, fazemos regulamentos de assistência pública, e vangloriamo-nos de haver definido pela revolução liberal o dogma da fraternidade humana, mas somos fundamentalmente incapazes de consagrar à pratica das virtudes, de que julgamos ter na história o monopólio, monumentos como aqueles que nossos avós lhe levantaram a prol do comum e aproveitança da terra, dando em resultado que o mais andrajoso mendigo da portaria do mosteiro de Alcobaça ou do mosteiro de Santa Cruz, com o seu alforge ao pescoço e a sua escudela debaixo do braço, participava, além da ração quotidiana que se lhe distribuía pelo caldeirão da comunidade, de um agasalho de príncipe e de um luxo de arte com que hoje não competem os maiores potentados, os quais em suas casas e para seu recreio íntimo se rodeiam de todas as jóias artísticas de que, pela abolição dos vínculos e pela extinção das ordens religiosas, se apoderou o moderno comércio do bric-à-brac.
Falta-nos a alta noção de solidariedade patriótica, falta-nos o desapego dos bens de fortuna, falta-nos o largo espírito de abnegação, falta-nos a ilimitada liberalidade cavaleirosa, e falta-nos a fé dos nossos avós.
"O Culto da Arte em Portugal", Ramalho Ortigão
(Ramalho Ortigão nasceu no dia 24 de Outubro de 1836. Morreu em 1915.)
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