O dono da bola
Quando o Juca concordava,
a garotada tomava
conta da rua e armava
o campo de futebol.
Juca era o dono da bola,
Juca era o dono do jogo.
Fazia o que bem entendia
e quando alguém discutia
o Juca guardava a bola.
Ninguém brigava com o Juca,
Juca era o dono da bola.
Na hora de escolher o time,
era o Juca quem primeiro dizia
os meninos que queria
pro time dele.
Se o capitão do outro time
discordava,
o jogo nem começava,
o Juca guardava a bola.
Ninguém brigava com o Juca,
Juca era o dono da bola.
A garotada corria
de um lado para o outro.
Dribla daqui, chuta pra lá,
passa para ali, cabeceia prá cá...
Juca ficava sentado
o tempo todo. Mas, na hora
de fazer gol, se mexia.
Corria e gritava:
"Passa que quem faz gol sou eu".
E se o outro não passava
ou se chutava e marcava
o gol que o Juca esperava,
o Juca guardava a bola.
Ninguém brigava com o Juca,
Juca era o dono da bola.
Todo gol que o outro time
fazia era anulado.
Ou tinha sido com a mão
ou impedido. Anulado.
O Juca dava rasteira,
canelada, cabeçada,
aleijava a garotada
e o juiz não marcava nada.
O tranco mais delicado
dado no Juca era pênalti.
E quando alguém discordava...
o Juca guardava a bola.
Ninguém brigava com o Juca,
Juca era o dono da bola.
Um dia, o Alfredinho achou
que aquilo era desaforo.
Driblou o primeiro, driblou o segundo,
driblou o terceiro, o quarto...
O Juca xingou a mãe dele.
Ele meteu a mão no Juca
(a garotada ficou espantada).
O Juca avançou pra ele,
ele tornou a dar no Juca
(a garotada ficou animada).
O Juca avançou outra vez.
Ele então jogou o Juca no chão
(a garotada foi toda em cima do Juca).
Quando Alfredinho voltou pra casa
o pai estava se queixando
que o dinheiro que ganhava
não chegava
pra alugar outra casa
ao menos com mais um quarto
pra botar seus nove filhos;
para comprar mais comida,
feijão pra seus nove filhos;
para comprar umas roupas
pra vestir seus nove filhos;
- Papai, por que o dinheiro
que você ganha não chega?
- É pouco.
- Por que é pouco?
- Porque o patrão paga pouco.
- Papai, por que vocês
não pedem mais ao patrão?
- O patrão despede a gente
e a gente fica sem pão.
- Por que o patrão despede?
- Porque ele é o dono das fábricas,
porque ele é dono das máquinas.
- Papai, por que vocês
não fazem com ele
o mesmo que nós fizemos com o Juca?
- Quem é o Juca?
- Juca era o dono da bola.
- Que foi que vocês fizeram?
- Tomámos a bola dele.
"O Povo Escreve a História nas Paredes", Mário Lago
(Mário Lago nasceu no dia 26 de Novembro de 1911. Morreu em 2002.)
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