domingo, 10 de novembro de 2013

Álvaro Cunhal

Longe de veredas e povoações, a serra ondulava pedregosa e nua. Só aqui e além, ao fundo das encostas ou por detrás dos cabeços, repousavam manchas macias de terra lavrada. Donde e quem vinha lavrá-la parecia mistério em sítio tão desolado e ermo. Toda a tarde caminharam, o Lambaça adiante, André atrás. Nem uma só vez avistaram um ser humano. Não fora o sol derramando luz no ar e nas coisas, não fora o ar límpido e leve, aquele deserto e aquele silêncio seriam intoleravelmente opressivos. Assim, a serra abria-se à intimidade, numa carícia tranquila e confiante.

Mas, quando o sol começou a aproximar-se do horizonte, e os vales se diluíram em penumbras, e os cabeços e rebolos estenderam as sombras, e o ar começou a pesar de humidade e frio, então, sobranceira, a serra ganhou subitamente nova grandeza, como que olhando os intrusos com hostilidade.


"Cinco Dias, Cinco Noites", Manuel Tiago

(Álvaro Cunhal, que usou o pseudónimo literário de Manuel Tiago, nasceu no dia 10 de Novembro de 1913. Faz hoje cem anos. Morreu em 2005.) 

2 comentários:

  1. Senhor Hernâni gostava de ver um texto seu sobre "O Bolinhas" (vendedor de jornais).
    Acho que é a pessoa mais indicada para o fazer.
    Obrigado por nos fazer mergulhar na infância.
    Abraço
    João Carlos Lopes

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    1. Muito obrigado, caro amigo, pelo seu comentário. O João Carlos sabe que eu não sou senhor, sou Hernâni. E sou também um seguidor diário e admirador do seu trabalho por Fafe. Quanto ao que me sugere, falaremos por outra via.
      Abraço,
      h.

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