Foto MUNDIAL FOTOS |
O senhor de óculos e sem boné é Baltazar Rebelo de Sousa, ministro do outro tempo, destacado colaborador de Salazar e Caetano, pai de Marcelo Rebelo de Sousa e grande amigo de Fafe. Ia lá à minha terra muitas vezes e nunca de mãos vazias. A fotografia conta uma das suas visitas aos Bombeiros, e à direita, impecavelmente fardado de gala, está o carismático e severo comandante Luís Mário, pai do comandante Armindo, querido amigo que tive a sorte de rever e abraçar na última Senhora de Antime.
Nenhum deles, porém, interessa para o meu assunto. Eu quero é falar do carro que domina a cena. Uma velha Austin, refugo inglês da Segunda Guerra Mundial, tal qual os pesados capacetes pretos para incêndios, os cintos com machadinha e tudo e os blusões de serviço, iguais aos dos soldados nos filmes. Foi material que deu jeito, que cumpriu por muitos e bons anos. Menos, se não me engano, as sinistras máscaras antigás, que só serviam para as minhas brincadeiras de miúdo e ficavam muito bem em cima dos armários.
O carro tinha nome, chamava-se Carrinha e, de acordo com o "MG" da matrícula, ainda deverá ter passado pelos pés do Exército português antes de chegar a Fafe, orgulhosamente de volante à direita e "piscas" de puxar por um cordel, como o coiso do fradinho das Caldas. Tinha também manias e birras, provavelmente derivado à idade, e constava que só o Casimiro das Caixas lhe conhecia as neuras e sabia fazer-lhe as vontades todas - o Casimirinho era, pois, o nosso especialista em Carrinha.
A Carrinha apareceu na minha vida já completamente coberta por uma chapa ondulada em forma de U invertido e com uma grossa lona e correias de cabedal para fechar atrás. E foi o meu primeiro e único carro. Quer-se dizer: o carro não era meu, nunca foi meu, nunca o levei para casa nem dormi com ele, mas a verdade é que nunca conduzi mais nenhum. E conduzir talvez também não seja o verbo adequado ao caso, portanto passo a explicar:
Mal dei fé que chegava aos pedais, o que eu fazia era ligar o motor e solavancar as mudanças até que uma delas, uma qualquer, pusesse o carro a andar. Às vezes calhava para a frente, outras vezes calhava para trás. Viajava imensos dois, três metros, e invertia a operação, sem curvas, novamente com a alavanca à sorte, voltava ao exacto centímetro de partida e depois desaparecia dali a todo o gás, antes que alguém me descobrisse o sítio das orelhas. Esta parte era muito importante.
Uma vez o quartel da Rua José Cardoso Vieira de Castro entrou em obras, crescendo para a frente, e os carros dos Bombeiros mudaram-se provisoriamente para uma garagem muito grande do "benfeitor" José Freitas Nogueira, bastava dobrar a esquina, no encontro da Rua Monsenhor Vieira de Castro com a Rua Dr. José Summavielle Soares, quase em frente ao campo de futebol. Era um enorme portão verde e tinha lá dentro, assim que se entrava, uma rampa muito jeitosa para as minhas habilidades. Sobretudo ao baixo. Melhor ainda: ali o meu avô não ouvia as coças que eu dava na desgraçada caixa de velocidades da pobre Carrinha, gemente e ganinte por todos os lados. Bons tempos...
Dei também as minhas voltas no carro de bois do Sr. José do Santo e, com expressa licença da minha mãe, na carroça do Moniz azeiteiro ("Os azeites do Moniz são os melhores do País", dizia na retaguarda), mas, francamente, não eram a mesma coisa. Não me enchiam as medidas. Nem os carrinhos de choque, de que fui, não é para me gabar, prestigiado ainda que bissexto praticante. Não. Nada. A Carrinha foi o meu primeiro e único carro. Como no amor. Nunca mais quis outro.
P.S. - Publicado originalmente no dia 27 de Setembro de 2013. Hoje é dia 17, e cá estamos.
Sem comentários:
Enviar um comentário