Que quietação
depois destas manhãs
e destas tardes de vento!
Quedo-me a gozar
esta doçura...
esta vaga esplêndida
de luz...
Há pouco,
ainda deitada,
tinha, de um lado,
a palizez do céu,
e do outro
uma espécie de labaredas
sem cor...
umas vassouradas de sol.
Desentorpeço-me.
Arredo de mim a roupa.
Olho-me.
Que é um corpo?
Um dom que se oferece...
Que é um corpo?
Um mar morto...
Que é um corpo?
Um tronco,
uma planta de pé delgado,
que alarga
e lança de si dois ramos,
os braços...
As pernas são belas,
quando juntas.
Que beleza a das pernas!
De alto a baixo
um veio as desune,
as distingue,
as separa e arredonda
como a dois esbeltos, firmes corpos...
Que é um corpo?
Um dom...
Ai, não é!
Os corpos,
como as flores, as bravas,
murcham, muitas vezes,
ao Deus dará...
Como os seixos,
rolados e confundidos
entre algas e outros seixos,
passam despercebidos...
Um dom?
Não, um castigo!
Amor!
Quanto te encantas
com as graças recatadas
dos gestos,
das formas,
da vida do corpo...
Com tudo te prendes!
Amor!
Que é para ti o corpo?
Uma violenta sedução,
de que logo te enfastias...
Amor, tão cruel!
Passas e não deixas sinal...
Amor!
O pobre seixo,
a flor que não animaste,
vivem
com aquela beleza
e aquela tristeza
dos sempre esquecidos...
Vivem!
(Irene Lisboa nasceu no dia 25 de Dezembro de 1892. Morreu em 1958.)
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