Terra navegável
Vamos pela tarde fora à procura de deus.
Depois do dia ter falhado com as suas promessas
o que nos sobra é tudo o que vai daqui até ao mar.
Transporto no coração a contagem dos passos
e na cabeça a língua que se prende
por engano ao céu da boca.
Será sempre preciso navegar em terra,
agarrar o que resta pela cintura e disfarçar o corpo
nu entre os rochedos.
Cada palavra é um remo, cada abraço perdido
uma bóia a menos no costado.
Os aparelhos da fala excrementos das gaivotas.
A tarde recolheu os últimos sinais da divindade.
Avançamos à procura da água
prometida.
Confundimos as ondas com os limos da garganta,
as cavernas com as muitas moradas, o destino
com mais um precipício antes da noite.
"A Sombra do Mar", Armando Silva Carvalho
(Armando Silva Carvalho nasceu no dia 28 de Março de 1938. Morreu em 2017.)
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