segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Teixeira de Melo 2

Fantasia
 
Náiade viva da legenda antiga,
Deixa o seio do rio em que te encantas!

Dá-me um riso de amor, gota do orvalho
Que em noites de verão desperta as plantas.
 

Vem às horas dos pálidos vampiros
Sobre as asas em pó das borboletas!

Algum silfo talvez te espere em cuidos
Sobre os seios azuis das violetas!
 

Não vês a natureza a sono solto
Nos braços do silêncio, imóvel, fria?

A alma vagando, estrela doutros mundos,
Pelos campos da loira fantasia?
 

E os ventos que adormecem como a noite
Nos cabelos das árvores do vale?

Nem soluçam gemidos que te assustem
Esse mortos que dormem no ervaçal.
 

Desce às horas do amor e dos mistérios!
Poisa o pé sem temor... é chão de flores!
Quando os vivos ressonam como os mortos,
Vem banhar-te comigo em mar de amores!
 

Do luar aos clarões que te acordaram
Ouve-se a estrela a cintilar dormindo;
Ouve-se a brisa a desfolhar saudades;
Ouve-se a folha a suspirar caindo!


Vem, flor do rio perfumada em risos!
Vem, flor dos bosques orvalhada em pranto!
Mas, se inda assim o coração te treme,
Dessas asas que tens faze o teu manto.


Dá-me um hino dos teus na voz magoada;
Dá-me um canto do céu na voz tristinha!
Já que o mundo dos vivos me abandona,
Vem, princesa do vale, vem tu ser minha!


Vem teus sonhos de amor que a alma embalsama
Desfolhar sobre mim e o meu futuro!
O mundo não te espreita! e só da noite
Brilham olhos de Deus no manto escuro. 


Mas, se a aurora acordar teu pai que dorme?!
Se a brisa despertar no campo as flores?!
Vem sempre! um anjo deve amar mais cedo,
Mais cedo enlanguescer, morrer de amores!

"Sombras e Sonhos", Teixeira de Melo

(Teixeira de Melo nasceu no dia 28 de Agosto de 1833. Morreu em 1907.)

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