Já não há mulheres com bigode
Sempre gostei de ir a Ponte de Lima por causa do arroz de sarrabulho e
dos bigodes das mulheres. Mulheres feias é ali. Feias e bigodudas. Basta
um raio de sol espreitar por entre as nuvens e elas saltam todas não se
sabe donde para as bordas do rio a arejar as carantonhas e respectivas
piaçabas. Palavra de honra, é um espectáculo digno de ser visto. Comprar
um cartucho de jornal cheio de castanhas assadas e comê-las, ainda
quentes, enquanto observamos o mulherio, picadeiro acima, picadeiro
abaixo, como num desfile de moda mas para bigodes fêmeos, nove pontos
para aquela, treze para a das suíças, há lá melhor maneira de passar um
pedaço de tarde! Não sei o que a bela vila alto-minhota tem, mas é assim
que as coisas são.
Cuidado. Antes de me soltarem os cães, façam o favor de perceber que eu
não disse que as mulheres limianas são bigodadas e feias. Não. O que eu
digo é que, aos fins-de-semana e feriados, elas, as bigodadas e feias,
concentram-se todas ali, à beira-Lima, como se fosse um congresso de
camafeus ou um concurso de feieza. Numa dessas ocasiões, eu próprio fui
confundido com a cantadeira de um rancho folclórico derivado às minhas
barbas. De resto, não sei de onde elas vêm, nunca perguntei.
Anteontem, aproveitando o último feriado de Todos-os-Santos das nossas
vidas, fui a Ponte de Lima e tive um desgosto. A vila mais antiga de
Portugal, Ponte de Lima monumental e histórica, está mais pobre. As
mulheres continuam particularmente feias, honra lhes seja, mas deitaram
abaixo os bigodes. Sentei-me no banco do costume, junto à vendedeira de
castanhas, queimei os dedos a comê-las, mas bigodes de mulheres, que era
ao que eu ia, nem um para amostra. É lamentável. Os cremes depilatórios
estão a dar cabo do nosso património.
Não sei se volto a Ponte de Lima. Ainda por cima, o arroz de sarrabulho
também não estava grande coisa. Mas as castanhas eram bem boas.
PS. - Publicado originalmente no dia 3 de Novembro de 2011.
Antes que o mundo acabe
O mundo vai acabar dentro de exactamente 59 minutos. Pelas contas do
pastor evangélico norte-americano Harold Camping, que se costuma enganar
muito, mas desta vez é que é, o Apocalipse chega daqui a um bocado: às
20 horas de sexta-feira na terra dele, uma da manhã de sábado em
Portugal continental. Foi o que ele disse aos seus discípulos. E eu só
espero que ninguém se aleije. Mas não ficou claro, pelo menos para mim,
se o fim do mundo é o fim da América, porque, para os americanos, a
América é o mundo, ou se nos toca a todos, incluindo o principado de
Sealand e essa pequena adjacência chamada China.
(Por
falar em China, falemos também na Hungria. O que é que deu aos chineses
e aos húngaros para julgarem que são mais infelizes do que os
portugueses? Nem uns nem outros tiveram o Sócrates e o Teixeira dos
Santos, não têm o Passos Coelho nem o Vítor Gaspar, não fazem ideia de
quem é Cavaco Silva, queixam-se de quê? A que propósito é que
chineses e húngaros ficaram à frente de Portugal num inquérito da OCDE,
envolvendo 40 países, sobre os mais insatisfeitos com a vida?)
Antes
que o mundo acabe, quero, porém, esclarecer o seguinte: bacalhau à
espanhola não é caldeirada de bacalhau, tão-pouco ensopado de bacalhau.
Bacalhau à espanhola é um prato que pede azeite e não água. É quase um
guisado, de molho grosso e aveludado, e com o tempero apurado até aos
limites legais de sal, pimenta, alho, louro e salsa. Por
mim, também malagueta. Colorau, um nada só para dar cor. E, tomem nota, o pimento e
o tomate são duas desnecessidades usadas apenas por quem pensa, mas não
sabe, que só assim é que é "à espanhola". Erro crasso. O bacalhau à
espanhola é à portuguesa!
O bacalhau até pode ser de quarto,
daquele que, inteiro, não mede mais do que um palmo. E pode ser pouco.
Não faz diferença nenhuma. O importante é o gosto que o bacalhau
empresta, o equilíbrio do tempero geral, a consistência
da molhanga. Quando eu era pequeno e os tempos eram de pobreza como os
de agora, a minha mãe fazia um bacalhau à espanhola a que, honestamente, chamava batatas à espanhola. E vocês não fazem
ideia do que perderam por nunca terem provado as batatas à espanhola da
minha mãe...
E pronto, era isto. O mundo já pode acabar. Estou preparado, enfim de
consciência tranquila. Andava com esta espinha atravessada na garganta
desde o almoço da passada terça-feira, aí num sítio. E agora, se me dão
licença, vou à cozinha salgar uns ossinhos da suã para o jantar de
logo à noite.
P.S - Publicado originalmente no dia 22 de Outubro de 2011.
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