Já aqui contei que o meu avô da Bomba, apesar de quarteleiro dos Bombeiros de Fafe, nunca se apartou completamente do velho e honrado ofício de sapateiro com que se iniciara na vida. Enquanto pôde, num cantinho por baixo das escadas que subiam para "o salão" do quartel da Rua José Cardoso Vieira de Castro, ele manteve banca e fez, com desenho próprio, as sandálias e sapatos que calçavam a família. A família lá de casa, quero dizer, mulher e filhos, porque o meu avô não era de dar. E se dava, eram os bons-dias, mas pedia o troco e recibo com número de contribuinte.
Em todo o caso, fui semanticamente injusto quando chamei sapateiro ao meu avô da Bomba. Nestes tempos em que nem os cegos são cegos - são invisuais -, agora que já nem há mentirosos - mas inverdadeiros -, nos dias em que nem os bois são chamados pelos nomes - têm números -, chamar sapateiro ao meu avô da Bomba é praticamente um insulto, e estou muito arrependido.
Se escrevesse hoje, eu diria que o meu avô da Bomba era um mestre do artesanato, um artista do calfe, uma Joana Vasconcelos por antecipação, e fazia-lhe um museu; diria que era um criador de sapatos e dava-lhe um subsídio do QREN; diria que era um caso exemplar do empreendedorismo nacional e pendurava-lhe mais uma medalha no 10 de Junho; diria que era um designer de calçado e acompanhava-o à Feira de Milão. É isso, se escrevesse hoje, eu diria que o meu avô da Bomba era um designer de calçado.
Alem de tudo isso era um ENORME HOMEM!
ResponderEliminarAbraço Miguel
"dava os bons-dias e pedia os troco" Gostei dessa Hernâni.
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