Na parede caiada se
desenhava, enorme, o emblema azul da Virgem Maria. Ao centro do pátio ficava o
caramanchão cheiroso do jasmineiro e dentro dele, no fresco e no sombrio do
verde, a imagem de uma moça de vestido branco e pés nus - uma Nossa Senhora bonita
e triste.
Em redor do pátio as classes vazias, mudas, fechadas. O ruído dos passos crescia, ressoava pelos corredores, o terço da cintura da irmã tilintava, cheio de medalhas.
E eu tinha medo. A irmã era velha, de olhar morto, fala incolor e surda. Parecia feita de papel pálido, ou de linho engomado semelhante à corneta que trazia à cabeça e que se agitava a cada movimento seu, como uma ave. Parecia uma boneca de cera, uma figura, uma santa, só não parecia gente. Também não parecia gente a porteira seca, toda osso e nervo, nem a outra irmã que passou silenciosa e de cabeça baixa, sem um interesse, sem um olhar. Moça, jovem, só a Virgem Mãe adolescente do caramanchão; e, sendo de louça, tinha mais ar de vida e humanidade que aquelas outras mulheres de carne, junto de mim.
Papai, comovido e pálido, fora embora. Madrinha fora embora. O parlatório, onde eu esperava, estava àquela hora vazio e silencioso; ouvia-se apenas, através dos corredores, como um ruído abafado de mar distante.
Acheguei-me mais à irmã, quis lhe pegar na mão, não tive coragem, perguntei de onde vinha o barulho, lá de longe.
Vinha do recreio da noite que começava nos alpendres do fundo do colégio; e para lá nos fomos dirigindo, a irmã e eu.
Pelas varandas imensas espalhavam-se às centenas meninas de todos os tamanhos, com todas as caras deste mundo, vestidas de azul-marinho. Um grupo delas acercou-se de nós, sorridente, curioso. A mim me pareceram logo malvadas, escarninhas, hostis. Encolhi-me mais junto à irmã. Lá para trás outras meninas vinham chegando, e ouviam-se gritos:
- Novata! Uma novata!
A irmã me pôs a mão no ombro, mandou que me fosse reunir a elas, procurasse brincar, fazer amigas.
Eu resisti. Sentia cada vez mais medo e me agarrei resolutamente ao hábito grosso da freira:
- Queria ir para junto da minha mala.
"As Três Marias", Rachel de Queiroz
(Rachel de Queiroz nasceu no dia 17 de Novembro de 1910. Morreu em 2003.)
Em redor do pátio as classes vazias, mudas, fechadas. O ruído dos passos crescia, ressoava pelos corredores, o terço da cintura da irmã tilintava, cheio de medalhas.
E eu tinha medo. A irmã era velha, de olhar morto, fala incolor e surda. Parecia feita de papel pálido, ou de linho engomado semelhante à corneta que trazia à cabeça e que se agitava a cada movimento seu, como uma ave. Parecia uma boneca de cera, uma figura, uma santa, só não parecia gente. Também não parecia gente a porteira seca, toda osso e nervo, nem a outra irmã que passou silenciosa e de cabeça baixa, sem um interesse, sem um olhar. Moça, jovem, só a Virgem Mãe adolescente do caramanchão; e, sendo de louça, tinha mais ar de vida e humanidade que aquelas outras mulheres de carne, junto de mim.
Papai, comovido e pálido, fora embora. Madrinha fora embora. O parlatório, onde eu esperava, estava àquela hora vazio e silencioso; ouvia-se apenas, através dos corredores, como um ruído abafado de mar distante.
Acheguei-me mais à irmã, quis lhe pegar na mão, não tive coragem, perguntei de onde vinha o barulho, lá de longe.
Vinha do recreio da noite que começava nos alpendres do fundo do colégio; e para lá nos fomos dirigindo, a irmã e eu.
Pelas varandas imensas espalhavam-se às centenas meninas de todos os tamanhos, com todas as caras deste mundo, vestidas de azul-marinho. Um grupo delas acercou-se de nós, sorridente, curioso. A mim me pareceram logo malvadas, escarninhas, hostis. Encolhi-me mais junto à irmã. Lá para trás outras meninas vinham chegando, e ouviam-se gritos:
- Novata! Uma novata!
A irmã me pôs a mão no ombro, mandou que me fosse reunir a elas, procurasse brincar, fazer amigas.
Eu resisti. Sentia cada vez mais medo e me agarrei resolutamente ao hábito grosso da freira:
- Queria ir para junto da minha mala.
"As Três Marias", Rachel de Queiroz
(Rachel de Queiroz nasceu no dia 17 de Novembro de 1910. Morreu em 2003.)
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