Suscita-se às vezes sobre qualquer indivíduo uma opinião que se diz pública, somente porque cada qual em particular se não atreve a reconhecê-la por sua; os factos conhecidos da vida desse homem parece desmentirem-na, todas as aparências lhe são contrárias, é humanamente impossível encontrar algures os fundamentos dessa crença, nascida não se sabe onde, propagada não se sabe como; e contudo persiste. Por quê? Quem o pode dizer? É, a meu ver, um facto da ordem de outros que observa o naturalista na história dos animais. E um fenómeno de instinto.
Na aproximação do Inverno, as aves viajoras reúnem-se em bandos para desertarem das paragens que parecia oferecerem-lhes ainda por algum tempo os últimos calores de uma estação favorável. Que indício lhes revelou o perigo? Quem lhes apontou o caminho de mais amenas regiões? O instinto: respondem os filósofos; e a mesma resposta obtereis, se os interrogardes sobre tantos outros maravilhosos actos que nos surpreendem nos costumes de certas famílias zoológicas.
Concedam pois também ao povo instintos, instintos que o fazem adivinhar factos ocultos, como a ave pressente o Inverno; instintos sobre os quais se elevam juízos, que a razão prudente repele ao princípio, mas que tantas vezes o futuro vem confirmar mais tarde.
O povo tem uma fisiologia especial, que ainda está por escrever; esse concurso de individualidades tão heterogéneas dá uma resultante, cuja noção não nos pode vir só do conhecimento isolado dos componentes.
"Serões da Província", Júlio Dinis
(Júlio Dinis nasceu no dia 14 de Novembro de 1839. Morrem em 1871.)
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