Foto Hernâni Von Doellinger |
O sítio da Câmara de Matosinhos conta que a revista norte-americana National Geographic Traveller recomenda as praias e os peixes e mariscos cá da terra. Diz-se, com o peito cheio de orgulho: "A Rua Heróis de França merece uma chamada de atenção, pelos seus restaurantes de excelência. O artigo refere ainda o delicioso cheiro a peixe grelhado no ar que os fogareiros ao longo daquela artéria liberta."
Pois é. Mas eu ainda sou do tempo em que o "delicioso cheiro a peixe grelhado no ar" incomodava sobremaneira estes responsáveis autárquicos, tanto que decidiram, previsível e felizmente sem efeito, mandar para dentro "os fogareiros ao longo daquela artéria".
Até me lembro de que escrevi na altura um pequeno texto a que chamei O cheiro da cidade é inconveniente para o peixe. E rezava assim:
A alegada inteligência dos políticos portugueses está a reduzir-se galopantemente à essência do hamburger de jumento. Jumento perfumado. Aqui em Matosinhos, o presidente da Câmara parece que quer acabar com os fogareiros de rua, que ele não sabe mas são a imagem de marca e o abono de família dos restaurantes da cidade. Haverá razões sólidas para semelhante desatino? Não há. Só se foram razões líquidas.
Agora em Lisboa, que também faz questão de deitar a sardinha assada borda fora, conta um sindicalista que, uma vez, um vereador camarário lhe disse que "o cheiro do peixe seria inconveniente para a cidade". E se calhar até será. Não tanto, provavelmente, como o cheiro da cidade é inconveniente para o peixe. Mas isso os iluminados não sabem: nasceram de inteligência e nariz entupidos para o que não lhes interessa.
Eu abaixo assinado, que não concordo com Guilherme Pinto e quero que os de Lisboa vão à merda, proponho o seguinte: lancemos as cidades ao mar, com os autarcas via reforma dentro, e fiquemos com o peixe. Que ficamos bem.
O texto acima, em itálico, foi escrito e publicado no dia 8 de Abril de 2012, e não têm nada que agradecer. Moro há quase trinta anos ao dobrar da esquina de Heróis de França, no epicentro dos fumos e dos cheiros - às vezes, fedores. Então quando os "restaurantes de excelência" assam sardinhas mal descongeladas e, ainda por cima, em grelhas que não vêem água desde a grande seca de 1948, senhoras e senhores, é uma malina iglantónica, um pivete digno de prémio. Sei do que falo e não me queixo: isto é Matosinhos e eu gosto. Mas não sou da National Geographic Traveller...
Sem comentários:
Enviar um comentário