sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Fajãs de São Jorge: as terras esquecidas

Aprender dos 92 anos da Tia Maricas que aqueles ares saram maleitas, apaladar a conversa com um gostoso café roubado ao quintal, torrado, moído e coado: tudo na hora, quase, e - insondáveis são os desígnios do Senhor - ao domingo ir à igreja rezar a missa pelo rádio. Milagres das fajãs de São Jorge, nos Açores, paraísos perdidos à beira da desertificação. Ali o tempo não parou. Voltou para trás.

São, ao todo, quarenta e seis. Bordam toda a costa da ilha, mas em maior número na costa norte, mais escarpada. São as fajãs de São Jorge, terras baixas e chãs, de um modo geral formadas por derrocadas de grandes massas ou pela acumulação de materiais de aluvião, ali onde o monte acaba e o mar começa.
Pobremente semeados de casas simples, pequenas adegas rústicas ou palheiros, estes nacos de terreno de excepcional qualidade são um luxo para a vista mas também para os primores da Natureza. Um microclima especial oferece-lhes culturas tão variadas como a da vinha (o singular e controverso vinho-de-cheiro), da batata, da batata-doce, do milho, da banana, entre outros frutos, do inhame, nas encostas, e até do café.
Dois ou três casebres, construídos em pedra solta, quintais em socalcos, aproveitando todas as ribanceiras e os retalhos do solo, uma igreja modesta ou singela ermida, pintam a fajã por sobre o verde luxuriante e imponente da serra e o azul temperamental do oceano. Ambos parecem querer, à uma, engolir aquela indefesa língua de terra.
Parecem retalhos de paraíso, de um paraíso perdido, alheio ainda ao turismo por grosso (para gozo do passante solitário), um espaço esquecido no tempo no meio do arquipélago dos Açores. E, no entanto, são cada vez menos os jorgenses que escolhem a fajã como sítio de vida. O êxodo multiplica-se, as adegas arruinam-se. Sobra um ar de abandono, de vinhas mal cultivadas, de terras deixadas.

(Os Açores vão candidatar as fajãs de São Jorge a Reserva da Biosfera da UNESCO. Fazem bem e já vão tarde. Tive a sorte de palmilhar as fajãs há coisa de vinte anos, e contei o que vi e senti na revista Tempo Livre (n.º 30, Junho de 1993). Repito no Tarrenego! o texto então publicado, mas vamos por partes. Amanhã há mais.)

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