(Sou apaixonado pelos Açores e mantenho uma relação muito especial
com a ilha Terceira. Reencontrei este texto, escrito talvez em
1992/1993, a propósito das famosas festas do Espírito Santo. Claramente
datado, e generosamente adjectivado, aqui o deixo, em fascículos, para
matar saudades.)
Envolta na bruma das
lendas, adornada pela magia das superstições e abonada por insondáveis
espantos, impera há séculos no coração do povo das Ilhas a devoção ao
Senhor Espírito Santo. Uma contínua, sempre renovada e abrangente
procissão de beatos, fiéis, crentes, simpatizantes e até ateus vela por
que não se extingam os sinais singulares desta tradição santa-profana
que individualiza os Açorianos, na sua terra ou pelas lonjuras da
diáspora.
Esta é uma crença muito antiga. As folias ao
Espírito Santo, ainda que aparentem uma origem pagã no druidismo, ou na
superstição grega, chegam a Portugal pelas mãos da Rainha Santa Isabel e
são levadas para os Açores logo pelos primeiros povoadores. Convertidas
na maior devoção e piedade, conservam-se até aos nossos dias:
chamam-se, ali e agora, os impérios do Espírito Santo.
Os
Açorianos são uma gente católica, extremamente crente e devota, e mesmo
os mais fundamentalistas em matéria religiosa ou os ateus desobrigados
fazem fé nos casos relacionados com o Divino Espírito Santo e temem as
Suas "vinganças". É, como quem diz, uma questão de respeito.
Infinito
é o rosário das salvações, grandes assombros ou modestos arranjos que o
povo atribui à intervenção providencial do Divino - como gosta de
chamar-Lhe, carinhoso, numa antiga e meiga confiança de nome próprio.
Crises sísmicas e vulcões, pestes, o ror de maleitas e apertos do
dia-a-dia, a vida difícil e o isolamento congregaram os ilhéus numa
devoção que depressa se espalhou por todas as cidades, vilas e aldeias. E
recorre-se-Lhe por tudo, coisa assim pataqueira ou missão a meio do
impossível: simplesmente implorando saudinha em pró-forma de clínica
geral ou prescrevendo cirúrgico tratamento de especialista; requerendo
que o filho atine com os livros ou suspirando que calhe indulgência aos
professores; convocando bênção para casamento novo ou clamando por
intervenção de emergência em avaria conjugal; pedindo feliz termo para a
viagem, que culturas e gado medrem, que as vinhas farturem, que o
negócio corra, que o dinheirinho não falte. Tudo, edecétrea atrás de
edecétera, até aos limites de encomendas de alto lá com elas. O Divino
por tudo olha, tudo remedeia - que não é Pessoa, e isto é o povo a fazer
constar, de desmanchar contratos.
P.S. - Este é que é o Espírito Santo bom. O outro, o Espírito Santo dos salafrários, vai continuar a comer-nos, e não pouco. O texto acima foi aqui publicado no dia 8 de Julho de 2011. A repetição é uma sentida homenagem aos alegados governantes de Portugal que agora nos querem vender a Quarta Pessoa da Santíssima Trindade. Acham que somos todos parvos, e se calhar somos. Amanhã há mais.
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