No sábado, o recato das oito da matina é hora da distribuição de
esmolas, e na segunda-feira, derradeiro dia das festas, no fim da manhã
serve-se o bodo de leite e ao princípio da tarde prossegue o leilão de
alfenim ao domicílio começado na véspera. De casa em casa, com música e
cantigas. Tudo faz receita.
Explique-se: o alfenim é um doce
feito com açúcar, água e óleo de amêndoa que mãos hábeis de pasteleiras
domésticas adaptaram às linhas de flores, peixes, pombas, galinhas,
cisnes, veados, coelhos ou outras. Às vezes serve como ex-voto, para
resgate de graça, e, sendo o caso, toma então a forma da parte do corpo
milagrada.
Quanto ao bodo de leite, perdeu, se calhar, alguma da
sua pureza original. De facto, ao leite e ao pão tradicionalmente
postos à disposição de todo o povo no final de uma procissão sumária,
acrescem agora - fruto do indulgente correr dos tempos - os mais que
óbvios copinhos de vinho, enquanto a mesma charanga paisana que, grave e
lenta, acompanhava o cortejo religioso de há bocado, cumpre agora,
toda gaiteira, de grupo de baile, debitando de um fôlego o repertório
completo das suas modinhas. Sob a bênção cúmplice do padroeiro, que, do
alto do andor florido, ali mesmo a tudo preside (parece que com um
sorriso maroto...), come-se-lhe, bebe-se-lhe e dança-se-lhe como manda a
ventarola. Que Deus lhes perdoe, mas há qualquer coisa de báquico no
ar.
O programa remata com chave de ouro: a incontornável tourada à
corda. Era o que faltava!, falamos da Terceira e por lá os toiros, só
por si, são a festa. Acontecimento incrível, verdadeira instituição,
capaz de arrastar e arrebatar as mais entusiasmadas multidões, a corrida
à corda é o ponto alto e o fecho. Ou talvez não.
Deste este
mesmo domingo que está escolhida a nova Comissão, para o próximo ano.
Afinal, tudo torna ao princípio: a festa, a bem dizer, não acabou, está
por começar. Renova-se o ciclo de devoção e da folia, tudo em nome do
Espírito Santo. Que governa, imperial, a alma "cândida e tenaz" do povo
das Ilhas Azuis.
(Este é que é o Espírito Santo bom. O outro, o Espírito Santo dos salafrários, vai continuar a comer-nos, e não pouco. Estes textos foram publicados em Julho de 2011. A repetição, que hoje termina, é uma sentida homenagem aos alegados governantes de Portugal que agora nos querem vender a Quarta Pesssoa da Santíssima Trindade. Acham que somos todos parvos, e se calhar somos.)
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