quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Apolinário Porto-Alegre

O inverno desatava as madeixas emperladas de gelo, tão triste que magoava o coração e despertava idéias sombrias, como céus e e terras.
Não sei que íntima e mística afinidade existe entre a natureza e a alma humana, que a morte-cor de uma se reflete na outra como em bacias de límpidas águas, que o múrmur surdo e merencório desta, como num tímpano, encontra ecos naquela.
O inverno é um cemitério! Sazão de morte que não poupa a terna vergôntea, nem as catassóis da asa do colibri! Por isso o calafrio que se sente quando ele se aproxima, o terror que vaga na floresta e na campina, a palidez do manto de verduras, a ausência dos cantores plumosos... e depois o minuano! Como é cruel, ele que fustiga a árvore secular, que aspergia doce sombra no ardor da sesta, até lhe arrancar uma por uma as folhas de seu diadema! Que cresta a várzea há pouco vicejante alfombra! que torna a linfa de onda argentina e anodina, fria como uma geleira, silenciosa como um ermo, ingrata ao lábio na exsicação da sede!
Quem pode amar-te quadra sem sombras, brisas, cantos e flores? Período que espasma a vida e congela a flor das alegrias?

"O Vaqueano", Apolinário Porto-Alegre

(Apolinário Porto-Alegre nasceu no dia 29 de Agosto de 1844. Morreu em 1904.)

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