P.S. - Hoje é Dia da Dona de Casa.
domingo, 3 de novembro de 2024
Crónica Feminina
Vieram as calças, e ela nada. Os movimentos libertários, o divórcio, o voto, a canasta, os empregos, os carros, os cigarros, as gravatas, os sapatos de salto baixo e os sapatões também vieram, e ela nada. Em casa, sempre em casa, de uma virgindade absoluta em relação ao amantíssimo esposo e demais, bordava, falava francês e tocava piano. Ouvia os discos pedidos e lia Corín Tellado. E dava alpista ao canário. E regava os vasinhos, ela própria uma flor de estufa, no larguinho da vila antiga. E compunha almofadinhas e peluches e corações por sobre o delicado leito conjugal. Muito cor-de-rosa, muita renda na roupa interior que só ela sabia, muito tafetá, muitos lacinhos e sabonetinhos. Tanto pó de talco e perfume! Queimou uma vez um sutiã, é verdade, mas foi sem querer, passando a ferro, quando a serviçal lhe faltou. Tirando isso, nada. Parecia doença. Crónica. As vizinhas, que nem lhe conheciam o nome, chamavam-lhe, por graça, Crónica Feminina.
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