Foto Hernâni Von Doellinger |
Seria um casal patusco, se não fosse trágico. Desengonçados ambos, cómicos no vestir, feiinhos graças a Deus, testo e panela emparelhados de encomenda. Cirandam pelas ruas de Matosinhos todos os dias, de manhãzinha à noite, de braço dado, num andar de procissão e olhos caídos, passando o chão a pente fino à cata de piriscas reutilizáveis. Ele, posto que zarolho, tem visão de longo alcance ou então algum radar que eu não sei. Vê a beata e faz um gesto com a cabeça. Ela, em obediência canina, dobra-se, apanha a prisca referenciada, entrega-lha e corre a enfiar-lhe novamente o braço, se ele deixar, até à próxima. Ele fuma e ela vai feliz. Os dois são um filme mudo. Isso, uma fita das antigas, num preto-e-branco fatela. Digo, seria um casal patusco, se não fosse trágico: quando lhe apetece, o filhodaputa bate na mulher.
Era assim. Mas há uns meses que o vejo sozinho pelas esquinas, desamparado, perdido, praguejante. A franzina senhora desapareceu de cena. De tão sumária e submissa que me parecia, temo, sinceramente temo, que lhe tenha acontecido o pior: que tenha resolvido morrer devagarinho só para não incomodar. O bronco continua por aí, agora solitário e sempre bandalho, sem escrava nem saco de pancada pelo braço, enfim obrigado a vergar a mola se quer matar o vício. O Governo criminalizou as piriscas, a ciência inventou os cigarros electrónicos e a covid desbastou cafés e restaurantes, no chão da porta dos quais ele costumava abastecer-se e rir-se das imbecilidades do Governo e da ciência. Risinhos à parte, que o gajo é tolo, a vida corre-lhe de mal a pior. E é o que eu lhe estimo.
O filhodaputa continua, portanto, às piriscas, no outro dia sem mais nem menos malcriou com a minha mulher, que não lhe liga mas tem medo dele, mais cedo ou mais tarde vou ter de lhe foder o focinho, ao porco, e já não estou em idade para semelhantes flostrias. O indivíduo continua às piriscas, que fuma acto contínuo, mas, actualizado com os tempos da pandemia, que ainda estão quentinhos, anda de máscara. A máscara padece de evidentes sinais de que foi sacada ao lixo. Mas de máscara, o burgesso. É outra limpeza, outra segurança.
Era assim. Mas há uns meses que o vejo sozinho pelas esquinas, desamparado, perdido, praguejante. A franzina senhora desapareceu de cena. De tão sumária e submissa que me parecia, temo, sinceramente temo, que lhe tenha acontecido o pior: que tenha resolvido morrer devagarinho só para não incomodar. O bronco continua por aí, agora solitário e sempre bandalho, sem escrava nem saco de pancada pelo braço, enfim obrigado a vergar a mola se quer matar o vício. O Governo criminalizou as piriscas, a ciência inventou os cigarros electrónicos e a covid desbastou cafés e restaurantes, no chão da porta dos quais ele costumava abastecer-se e rir-se das imbecilidades do Governo e da ciência. Risinhos à parte, que o gajo é tolo, a vida corre-lhe de mal a pior. E é o que eu lhe estimo.
O filhodaputa continua, portanto, às piriscas, no outro dia sem mais nem menos malcriou com a minha mulher, que não lhe liga mas tem medo dele, mais cedo ou mais tarde vou ter de lhe foder o focinho, ao porco, e já não estou em idade para semelhantes flostrias. O indivíduo continua às piriscas, que fuma acto contínuo, mas, actualizado com os tempos da pandemia, que ainda estão quentinhos, anda de máscara. A máscara padece de evidentes sinais de que foi sacada ao lixo. Mas de máscara, o burgesso. É outra limpeza, outra segurança.
P.S. - Publicado originalmente, em versão curta, no dia 23 de Agosto de 2018. Hoje é Dia Mundial do Não Fumador.
Hernâni, já nos tinhas contado algo parecido sobre esse FDP. O sacana do gajo é mesmo perigoso. A CMM não presta, se prestasse internava esse porco no Magalhães Lemos. Oxalá alguém tenha socorrido a pobre senhora. Abraço amigo.
ResponderEliminarGrande abraço, Amigo Gaspar!
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