Já o outro, urbanita de grande metrópole, frequentador de mundo e telejornais, ajeita delicadamente os botões de punho de dezoito quilates, afaga a gravata hermès sofisticada e cara, faz biquinho e diz, finíssimo porém acutilante, ânus da prova. Ânus da prova, é o que ele diz na televisão de esgoto! Ânus da prova para aqui, ânus da prova para ali, enche a boca de ânus da prova! E chamam-lhe ó-doutor, jurista, comentador, especialista em molduras penais e em penicos de esmalte. E ninguém se ri.
Por outro lado. "A minha pátria é a língua portuguesa", escreveu o nosso Fernando Pessoa. "A Pátria não é a raça, não é o meio, não é o conjunto dos aparelhos econômicos e políticos: é o idioma criado ou herdado pelo povo. Um povo só começa a perder a sua independência, a sua existência autônoma, quando começa a perder o amor do idioma natal. A morte de uma nação começa pelo apodrecimento da língua", escreveu Olavo Bilac, o brasileiro e sensato.
Bilac (1865-1918) e Pessoa (1888-1935). Não quero saber aqui quem é ovo ou quem é galinha, nem me interessa como assunto, de momento, o miserável, escusado e alegado acordo ortográfico. Lembrei-me foi dos professores doutores da mula ruça, traidores à pátria, que enchem a boca de "periúdos", de "interésses", de "rúbricas", de "perzeveranças", de "mediúcres". Enchem a boca e apodrecem a língua. Apodrecem a língua e matam a nação.
António Costa, por exemplo. Já era tempinho de aprender a falar português, depois de, em 2015, ter aprendido a não falar mandarim. Em São Bento e no Largo do Rato ninguém lhe soube deitar a mão e pôr pimenta na língua, espero bem que agora lá pelos corredores e gabinetes do Conselho Europeu apareça alguma alma caridosa que ensine ao nosso ex a basezinha das regras de concordância, alguém que pelo menos o proíba de comer sílabas enquanto fala. Falar com a boca cheia é, para além do mais, falta de educação.
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