terça-feira, 25 de agosto de 2020

De Fafe, com muito gosto

Foto Hernâni Von Doellinger



(Atenção! De Fafe, com muito gosto foi também o título original do blogue que, desde Agosto de 2022, dedico exclusivamente à minha terra e que, agora chamado Fafismos, pode ser acompanhado aqui.)

Ao contrário (nunca se deve começar um texto com a expressão "ao contrário"), mas, como dizia, ao contrário de uns certos e determinados palermóides, fafenses ou nem por isso, que têm vergonha da Justiça de Fafe, eu não tenho. É verdade: tenho é muito orgulho. Gosto da lenda da Justiça de Fafe, acompanha-me desde que eu nasci, identifica-me pelo mundo fora, e até aprecio o monumento, embora o desejasse mais central. Já disse: a Justiça de Fafe é a metáfora folclórica de uma gente de paz que não gosta de levar desaforo para casa, ou que costumava não gostar. Nós, os fafenses (deve ler-se e dizer-se fafénses). O resto é treta, mais ou menos erudita. Geralmente menos. "Com Fafe ninguém fanfe" quer dizer, tão-só, com Fafe ninguém se meta. Porque, quem se meter, quem nos ofender de graça, recebe o troco, e que mal tem isso? E, no entanto, muito boa gente confunde, hoje em dia, este velho sentido de verticalidade com fazer justiça pelas próprias mãos. Não é nada disso. A Justiça de Fafe deve ligar-se, antes, à defesa da honra. A coça é semântica. É isto e mais nada. Nem luta de classes, nem administração de justiça privada, nem apologia da justiça popular, nem jogo do pau, nem fanfarronice, nem sacholadas, nem pistolas e navalhadas, nem Felizardos, nem bordoada por dá cá aquele copo. Tudo equívocos. As lendas (deve ler-se e dizer-se léndas) têm costas largas, de toda a conveniência (deve ler-se e dizer-se conveniéncia) para o caso em apreço, mas saber ler antes de escrever também nunca fez mal a ninguém, e sobretudo aos alegados historiadores. Não vamos mais longe. Podíamos ir à Porca de Murça, mas não vamos mais longe: deitemos os olhos a Guimarães, que após Arões é sempre ao baixo e sem portagens. A vaidade que os nossos vizinhos fidalgos têm na estátua de D. Afonso Henriques, esse gandulo que usava saias e batia na mãe! Ainda por cima, existiu mesmo, e a nossa Justiça de Fafe é só bazófia, invenção - mas é a coisa mais bonita a que nos podemos agarrar, para além da forca de Moreira do Rei, que também não consta... Os reis de Espanha vieram aqui atrasado a Portugal e o nosso presidente Marcelo (deve ler-se e dizer-se presidénte) levou-os a Guimarães e à estátua do tratante, do Afonsinho: a Letizia e o Felipe puseram-lhe flores. Em Fafe, a Câmara Municipal conhece o Monumento aos Mortos da Grande Guerra, o Monumento aos Combatentes da Guerra Colonial e o Monumento ao Bombeiro, conhece-os um dia por ano, e ignora durante o ano inteiro, todos os dias, o Monumento à Justiça de Fafe, que esconde quase em síncope, estúpida e militantemente, dos selectos visitantes, não vá dar na televisão. Se não fosse tão público e notório este asco, este ódio à Justiça de Fafe, suspeito que a Câmara já há muito lhe teria posto uma bomba pela calada da noite.
Não. O jogo do pau não é "uma das maiores tradições do concelho" de Fafe, ao contrário do que diz, por outro lado, a néscia propaganda autárquica. É tão tradição em Fafe como em Lisboa, em Trás-os-Montes, no Ribatejo, na Estremadura, no Algarve ou na Galiza. O jogo do pau é tão tradição em Fafe como a sueca, o futebol ou a malha, o esconde-esconde ou o dominó, que se jogam em todo o lado.
Não. O jogo do pau não foi inventado em Fafe, não deriva da Justiça de Fafe. A Justiça de Fafe é outra coisa, é lenda, lenda nossa, exclusiva, de honra, e, bem vistas as coisas, uma das poucas tradições genuínas do concelho de Fafe, que as há, como o nosso falar antigo, inimitável e pitoresco. Mas a autarquia fafense (deve ler-se e dizer-se fafénse), aflita de cosmopolitismo, embaraça-se com a nossa Justiça de Fafe, omite a nossa Justiça de Fafe, despreza-a, oblitera-a, e resolveu substituí-la por um pedregulho espetado no coração da cidade, Por Baixo da Arcada.
E no entanto a Justiça de Fafe lá está, que eu bem a vou visitar como quem vai a Fátima duas ou três vezes por ano. Lá está, escondidinha, um pouco acima, e, isto é que deve doer à Câmara, farta-se de jogar ao pau com os ursos...

Já agora. Militantemente deve ler-se e dizer-se militanteménte! O Monumento à Justiça de Fafe, da autoria de Eduardo Tavares, foi inaugurado no dia 23 de Agosto de 1981. Fez anteontem 39 anos, exactamente às 11 horas, dizem os registos. Estamos portanto em semana de comemorações. E certamente puseram-lhe flores...

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