sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Conjunto Outono-Inverno 2020

Desenho NESTINHO

Os primeiros pingos de chuva deste Inverno em pleno Verão assustaram-me inusitadamente. Isto é: para além dos pés, molharam-me a máscara, e a verdade é que eu não sei se as máscaras molhadas também funcionam ou se gripam, e depois ainda é preciso pô-las a secar e esperar que venha o sol e esperar que sequem. Ou não? Húmidas será melhor, como com os incêndios e com o fumo e com o sexo? E não haverá maneira de fazer máscaras à prova de água (ou waterproof, como se diz em português contemporâneo)? E no Carnaval como é que vão ser as máscaras? Máscaras com máscaras? Estão a ver a minha angústia, o meu medo de morrer de nariz ao léu, e a máscara a pingar?...
Então o que é que eu fiz? Peguei e desatei a correr de volta para casa e nunca mais saí para ir à padaria. Há mais de quinze dias que aqui não entra pão, comemos as sardinhas assadas e o bacalhau frito com bolachas Maria. Torradas.
Por outro lado, liguei ao meu amigo Ernesto Brochado a pedir-lhe ajuda. O Nestinho costuma acudir-me satisfatoriamente em semelhantes aflições. Expliquei-lhe o meu problema, a minha ânsia, trocámos algumas ideias, e saiu esplendorosa a solução que hoje damos a conhecer ao mundo, num rigoroso exclusivo Tarrenego! Entretanto, registámos a patente e já temos milhões de encomendas em carteira.

A máscara
Adaptou-se razoavelmente ao uso da máscara. Para comer é que era uma desgraça. Um chiqueiro...

O anormal do novo normal
Entro na padaria por quinze segundos. Sou atendido imediatamente, levo dinheiro certo, não preciso de falar e até faço apneia. Quinze segundos. Mas sou obrigado a usar máscara. Ao meu lado, atrás de mim, grupos organizados de senhoras desocupadas e alcoviteiras ocupam as mesas da padaria durante manhãs inteiras ou tardes inteiras ou manhãs e tardes inteiras, falam, gritam, riem, engasgam-se, tossem, pigarreiam, espirram e assoam-se, distribuindo generosos perdigotos pelas redondezas. Mas não usam máscara. Alguém me sabe explicar?...

O anormal do novo normal 2
Chega à porta do café e coloca a máscara. Entra. Senta-se na mesa do café e retira a máscara. E faz bem: é a norma. A máscara é apenas o bilhete de entrada no estabelecimento. Alguém me sabe explicar?...

Contrafeitas
Eram máscaras contrafeitas. Preferiam ser toalhetes. 

A importância do retrovisor na luta contra a pandemia
O espelho retrovisor central é um instrumento da máxima importância dentro de um veículo automóvel. Serve para pendurar coisas. Não coisas quaisquer, à sorte, mas coisas próprias de pendurar num retrovisor. Por exemplo, seria impensável pendurar num retrovisor uma gabardina molhada ou um guarda-chuva aberto, porque o retrovisor não é um cabide, é um retrovisor. E no retrovisor penduraram-se, ao longo da história, terços e senhoras de Fátima fosforecentes, relíquias sagradas da Terra Santa contrafeitas, árvores mágicas ambientadoras, castanholas, galhardetes dos Bombeiros de Montalegre, da Junta de Canas de Senhorim, da Câmara de Nelas, do Real Madrid e do Benfica, fitinhas vermelhas do Leixões, miniaturas de casais minhotos e folclóricos, óculos de sol e óculos de chuva, porta-chaves, porta-aviões, trevos de quatro folhas, estrelas de cinco pontas, cornos de besouro ou escaravelho e cornos em geral, patas de coelho, figas, ferraduras, CD, mesmo largos anos depois de ter passado a novidade, e agora penduram-se as máscaras. Exactamente: o sítio da máscara higiénica e sanitárica que nos protege da pandemia e da morte é o retrovisor, o que só lhe medra a relevância - ao retrovisor.
Ora bem: eu não tenho carta de condução, não sei conduzir e não tenho carro. E faço questão de elencar estas três fundamentais asserções, porque elas, as asserções, parecendo sinónimas e redundantes, não o são, não o são. Não o são. Na verdade, há quem não tenha carta de condução, saiba conduzir e não tenha carro; há quem não tenha carta de condução, saiba conduzir e tenha carro; há quem tenha carta de condução, não saiba conduzir e não tenha carro; há quem tenha carta de condução, saiba conduzir e não tenha carro; e até há quem tenha carta de condução, saiba conduzir e tenha carro - o que é uma raríssima coincidência. O mais certo é eu não ter esgotado todas as variáveis possíveis, mas desconfio que já perceberam o meu ponto de vista: não tenho carta de condução, não sei conduzir e não tenho carro. Portanto não tenho retrovisor.

Chegados aqui - de transporte público, evidentemente -, a grande dúvida que se me coloca é a que se segue: onde é que eu penduro a máscara? Na cara com certeza que não, porque me corta o ar e ainda ontem estive para morrer três vezes quando fui à peixaria, uma, e à padaria, duas. Por outro lado, e agora é uma dúvida mais pequena, alguém me saberá informar se haverá alguma brecha legal que me permita, vá lá, dar a volta às normas da Direcção-Geral da Saúde (DGS, como a pide), dispensando-me liminarmente do uso da máscara sufocante e substituindo-a, digamos, por um CD, com o nariz enfiado no buraco, o que já seria algum arejo? Haverá? Era o que eu gostava de saber...

P.S. - Mais sobre retrovisor, mas de outro ângulo, aqui.

Homem que é homem coça os coisos. Mas com máscara!
Esse gesto tão masculino de coçar o escroto enquanto se conversa com o amigo. Aliás, coçam os dois, cada qual coça o respectivo, porque são ambos muito homens. E esse outro gesto tão masculino de, acabada a conversa e a ecuménica coçadela, darem-se uma mãozada forte e bem abanada, machos até mais não, "um destes dias temos de ir jantar". Eu, se me dão licença, proporia um terceiro momento de afirmação varonil nestes (re)encontros entre velhos compinchas: findo o parlapiê, sossegados os tomates e despachado o cumprimento, que cada um cheire a mão do outro, e então, sim, "adeus e até à próxima". Mas com máscara... 

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