sábado, 15 de agosto de 2020

O Zé Manel Carriço

O Zé Manel Carriço era um exagerado e provavelmente a pessoa mais extraordinária que conheci em toda a minha vida. O Zé Manel não comprava maços de tabaco, comprava volumes de tabaco, caixotes, camiões inteiros de tabaco, navios! O Zé Manel até comprou um jornal falido, até comprou um cinema, vejam lá! O Zé Manel comprava tudo, e a dinheiro, não acreditava no plástico. Por isso andava sempre com a carteira grotescamente amarrecada por um enorme molho de notas de conto como se fosse à feira do gado mercar uma junta de bois. Ou duas. Ou três. Ou. As notas chegavam e sobravam. O Zé Manel fazia questão que se soubesse. Ah!, e o Zé Manel Carriço era uma homem extremamente generoso.
Às vezes o José Manuel, que de baptismo era Rodrigues, levava-me a umas noitadas privadas (ele, o Pimenta e eu) no Peludo antigo, mesmo em frente ao seu excêntrico atelier, o que nos era de uma extrema comodidade. As noitadas entravam pela madrugada dentro, porque o Zé Manel tinha muito que contar e nós gostávamos de ouvir. O Sr. Avelino fechava para nós. Comia-se um marisquito, que àquelas altas horas estava nas últimas, e sobretudo bebia-se cerveja, finos, com tremoços, para fazer boca. Mais do que uma vez esgotámos o stock de copos, enchendo sete ou oito mesas à nossa volta, o café inteiro, porque o Sr. Avelino gostava de fazer a conta no fim. Partiam-se alguns, o Sr. Avelino afinava, tomava nota para acrescentar ao rol. Mas o pior era o desbaste nos tremoços, que pedíamos repetidamente por uma questão de princípio.
Uma noite o Sr. Avelino não aguentou e queixou-se: - Sr. Zé Manel, assim não pode ser, já comeram mais de dez pires de tremoços. É um prejuízo muito grande. Os tremoços custam-me dinheiro, valha-me Deus!...
O Zé Manel foi ao bolso do casaco, sacou da carteira marreca, tirou uma mão-cheia de notas e disse séria, calma e secamente: - Ó Avelino, traz-me cinco contos de tremoços! - e pousou o dinheiro como mão de póquer em cima da única mesa de vago, que era a nossa...

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