O Zé Manel Carriço era um exagerado e provavelmente a pessoa mais
extraordinária que conheci em toda a minha vida. O Zé Manel não comprava
maços de tabaco, comprava volumes de tabaco, caixotes, camiões inteiros
de tabaco, navios! O Zé Manel até comprou um jornal falido, até comprou
um cinema, vejam lá! O Zé Manel comprava tudo, e a dinheiro, não
acreditava no plástico. Por isso andava sempre com a carteira
grotescamente amarrecada por um enorme molho de notas de conto como se
fosse à feira do gado mercar uma junta de bois. Ou duas. Ou três. Ou. As
notas chegavam e sobravam. O Zé Manel fazia questão que se soubesse.
Ah!, e o Zé Manel Carriço era uma homem extremamente generoso.
Às
vezes o José Manuel, que de baptismo era Rodrigues, levava-me a umas
noitadas privadas (ele, o Pimenta e eu) no Peludo antigo, mesmo em
frente ao seu excêntrico atelier, o que nos era de uma extrema
comodidade. As noitadas entravam pela madrugada dentro, porque o Zé
Manel tinha muito que contar e nós gostávamos de ouvir. O Sr. Avelino
fechava para nós. Comia-se um marisquito, que àquelas altas horas estava
nas últimas, e sobretudo bebia-se cerveja, finos, com tremoços, para
fazer boca. Mais do que uma vez esgotámos o stock de copos,
enchendo sete ou oito mesas à nossa volta, o café inteiro, porque o Sr.
Avelino gostava de fazer a conta no fim. Partiam-se alguns, o Sr.
Avelino afinava, tomava nota para acrescentar ao rol. Mas o pior era o
desbaste nos tremoços, que pedíamos repetidamente por uma questão de
princípio.
Uma noite o Sr. Avelino não aguentou e queixou-se: -
Sr. Zé Manel, assim não pode ser, já comeram mais de dez pires de
tremoços. É um prejuízo muito grande. Os tremoços custam-me dinheiro,
valha-me Deus!...
O Zé Manel foi ao bolso do casaco, sacou da
carteira marreca, tirou uma mão-cheia de notas e disse séria, calma e
secamente: - Ó Avelino, traz-me cinco contos de tremoços! - e pousou o
dinheiro como mão de póquer em cima da única mesa de vago, que era a
nossa...
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