quinta-feira, 4 de junho de 2020

Farto de tanta falta de respeito

Estava farto de tanta falta de respeito. Falta de respeito pela pandemia, falta de respeito pelo estado de emergência, falta de respeito pelo estado de calamidade, falta de respeito pelo estado a que isto chegou, falta de respeito pela quarentena, falta de respeito pelo confinamento, falta de respeito pela linha da frente, falta de respeito pela linha do tua, falta de respeito pelo desconfinamento, falta de respeito pela falta de respeito. Estava farto, farto, farto! E era hoje!...
Distanciou-se metro e meio da própria sombra, colocou a máscara, empunhou a bisnaga de álcool gel, subiu o lanço de escadas, aproveitou a porta apenas encostada, contou até três, entrou de rompante e gritou: mãos ao ar, isto é um assalto! Ficou admirado. O que ele queria dizer era: alto e pára o baile - desesperado com aquele forrobodó todas as noites mesmo por cima da cabeça. Mas estava dito, estava dito: desceu com um LCD de 100 polegadas, uma mesa de DJ, seis colunas de som surround, um globo espelhado, oito CD do Quim Barreiros, dois tablets, quatro telemóveis, sete relógios - um de sala -, seis pulseiras, cinco colares, doze pares de brincos, dois pacotes de batatas fritas, meia piza familiar de cogumelos e fiambre, um pacote de Sugus morango e framboesa, nove gramas de haxixe, garrafa e meia de vodka, duas canecas de sangria, vazias, três garrafas de Casal Garcia, treze cartões de crédito, um vale de reforma e 837 euros em numerário.

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