Estava farto de tanta falta de respeito. Falta de respeito pela pandemia, falta de respeito pelo estado de emergência, falta de respeito pelo estado de calamidade, falta de respeito pelo estado a que isto chegou, falta de respeito pela quarentena, falta de respeito pelo confinamento, falta de respeito pela linha da frente, falta de respeito pela linha do tua, falta de respeito pelo desconfinamento, falta de respeito pela falta de respeito. Estava farto, farto, farto! E era hoje!...
Distanciou-se metro e meio da própria sombra, colocou a máscara, empunhou a bisnaga de álcool gel, subiu o lanço de escadas, aproveitou a porta apenas encostada, contou até três, entrou de rompante e gritou: mãos ao ar, isto é um assalto! Ficou admirado. O que
ele queria dizer era: alto e pára o baile - desesperado com aquele
forrobodó todas as noites mesmo por cima da cabeça. Mas estava dito, estava
dito: desceu com um LCD de 100 polegadas, uma mesa de DJ, seis colunas
de som surround, um globo espelhado, oito CD do Quim Barreiros, dois tablets,
quatro telemóveis, sete relógios - um de sala -, seis pulseiras, cinco
colares, doze pares de brincos, dois pacotes de batatas fritas, meia
piza familiar de cogumelos e fiambre, um pacote de Sugus morango e
framboesa, nove gramas de haxixe, garrafa e meia de vodka, duas
canecas de sangria, vazias, três garrafas de Casal Garcia, treze cartões
de crédito, um vale de reforma e 837 euros em numerário.
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