Entrei num cinematógrafo. Todos os cartazes eram de beijos, de abraços, de cenas mais ou menos lúbricas. No maior deles, lia-se "Afrodite", evocação das cenas antigas de amor que Bedford me descrevera. Havia um aviso ditado pelo Juízo dos Menores: "Impróprio para senhoritas e menores." E senhoritas e menores entravam, aos bandos, com habeas-corpus requerido por seus próprios pais...
Na tela, beijos longos, infindáveis, a perda de hálito, nos quais se sentia a sucção, a dentada, o glotismo.
A sala fremia. Os pais confraternizavam com as filhas. Os seios das mulheres palpitavam de excitação. Os rapazes estalavam bucotas. Meninas impúberes iniciavam-se nos mistérios de Afrodite. Eram as classes do Didascalion, talvez mais completas... E as velhas mães complacentes sorriam... Terminado o beijo, as outras artes de sedução feminina. O sorriso, o gesto provocante, a carícia de surpresa, o retraimento, toda a gama... que vinha, de novo, morrer, em abraços violentos e em beijos tão vivos, tão quentes, tão impetuosos que, agora, até mesmo as cadeiras das velhas mamãs estremeciam. Vaporizadores espalhavam no ar perfumes capitosos que se casavam com as emanações animais...
E no escuro, outras bocas se juntavam, excitadas, enquanto carícias se trocavam, e o ar se enchia do mesmo bafo quente de sensualidade do bosque de Afrodite. As luzes vacilantes das lâmpadas de mão dos indicadores pareciam as pupilas dos sátiros montados nas cabras montesas que decoravam o zoóforo do antigo templo. E eu que nunca havia percebido aquilo? Fora preciso que Bedford me abrisse os olhos! Terminara a fita naquele frêmito de sensualidade. A luz mostrou olheiras roxas, fisionomias quebradas e olhos ainda cheios de desejos não satisfeitos.
E há um cinema em cada rua nas cidades modernas de Afrodite... Nunes colheu-me o braço na saída.
- Que decepção? - disse-me ele. - O reclamo fez-me supor que a fita fosse mais ousada. Exploradores!
Vi que toda gente saía com a mesma impressão. Queriam mais? Por cinco mil réis só aquilo?... Exploradores!
"As Mulheres Fatais", Cláudio de Sousa
(Cláudio de Sousa nasceu no dia 20 de Outubro de 1876. Morreu em 1954.)
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