quarta-feira, 21 de março de 2012

Fanecamente falando

Bem boas que elas andam, as fanecas. Já repararam? Se calhar a mãe Natureza resolveu chamar à razão a nem sempre atinada lei das compensações, mas a verdade é que, a seguir a uma época de sardinha que foi uma desgraça, a faneca apareceu-me este ano com uma categoria de que eu já nem me lembrava. Tenho-me regalado.
Gosto delas fritas. Só com sal e passadas por farinha milha, à tasco, ou então mais à minha moda, tratadas também com pimenta e limão e depois envolvidas com farinha triga e ovo. Sem outros truques ou invenções. Há derivas que aceito e como, mas estão longe de me satisfazer. Insisto: a faneca só me enche as medidas quando na sua pureza original. Frita.
Uma vez há muitos anos, pela madrugada, deixei que me metessem num barco e fui à pesca da faneca com o grupo do Adélio Santos. Quer-se dizer: eles foram à pesca e eu fui vomitar uma noite de copos e sem passagem pela cama. Não sei se serviu de engodo, mas o certo é que aquilo era peixe até dar com um pau. Seríamos uns seis ou sete naquela companha de ocasião e toda a gente teve direito a um ou dois baldes cheios de fanecas e cavalas, até eu, que pelos vistos também tinha feito a minha parte e não sabia. Estava na idade da toléria e tão tolo era que desprezei então as cavalas, hoje em dia com lugar cativo na minha lista de pitéus.
Mas voltemos às fanecas. O meu amigo Lopes, que é tão fanequeiro como eu, diz, no seu mar de sabedoria, que "a faneca é um peixe muito honesto". E é. Em diversos sentidos e apesar de já ter andado por aí na boca da malandragem armada em carapau de corrida. A este respeito (ou a respeito da falta dele), torno a Fafe, à década de setenta do século vinte: quem é desse tempo e não se lembra de aproveitar a barafunda das quartas-feiras para passar por elas, pelas gajas, em Cima da Arcada, roçar-lhes o cotovelo pelas mamas como quem não quer a coisa, dizer-lhes entredentes "Ah, faneca!" e levar um estalo na cara que acabava logo ali com todos os tesões? Quem não se lembra, nem era homem nem era nada. Ou então sofre de Alzheimer e está desculpado.
O Lopes tem razão: a faneca é um peixe muito honesto. Depois, há fanecas mais honestas do que outras. Em minha casa, por exemplo, só entram fanecas do alvor, pescadas já dentro da manhãzinha, como daquela vez com o Adélio mas agora por mãos que sabem. Um luxo. Mordomia matosinhense. São fanecas do mar que eu vejo da minha varanda. Madrugo também, compro-as vivinhas da silva, ainda sem terem passado pelo castigo do gelo e isentas de outras burocracias normalizadoras e estragativas, amanho-as eu, eu é que sei. Não menos importante: comemo-las no próprio dia. Exactamente. Elas andam bem boas, mas é preciso saber dar-lhes as voltas.

4 comentários:

  1. Entao se forem da zona de Anjeiras / Labruge alem de boas são grandes!Uma verdadeira preciosidade que o mar nos vai ainda dando!
    Abraço Miguel

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  2. Caro Hernâni
    rsrsrsrsrs depois de ler isto, fiquei com água na boca e hoje de manhã fanecamente buscando, fui ate à Afurada, mas (tinha de ser...) cheguei lá já no desfazer da feira (mercado), e as desejadas fanecas já haviam voado. Tive que me contentar com umas petingas fritas, também muito boas por sinal.
    Gaspar de Jesus

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    1. E petingaste tu muito bem, que eu bem as vi também aqui em Matosinhos e estavam ricas! Obrigado pela visita e pelo comentário.

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