Foto Hernâni Von Doellinger |
O Minho cheira, sabiam? O Alentejo e Trás-os-Montes decerto também cheiram, as Beiras e o Ribatejo lá terão os seus aromas, mas a mim o que me interessa é o Minho. E por estes dias o Minho cheira a Natal. Ao Natal antigo. Os últimos lavradores do Minho fazem fogueiras nos campos como fizeram os seus pais e os pais dos seus pais, queimando folhas secas e gravetos velhos, emprestando ao ar um perfume doce de lareira. Dá vontade de abrir a janela do carro. E abre-se, apesar do frio. Entra a memória: a avó a aquecer o vinho na infusa fanada, metendo lá dentro uma maçã acabada de assar no borralho, os malabarismos a toque de caixa do testo da velha chocolateira a esbordar de café que era cevada, a garrafa de aguardente do avô que bastava aliviar-lhe a rolha para logo curar constipações e até unhas encravadas. E a canela. Sim, as queimadas agrícolas de Dezembro, no Minho, são temperadas com canela. Que ninguém me diga o contrário.
Depois há o fumo. Que acinzenta o verde que cresce ao abandono e as leiras lavradas e cada vez mais raras, mas não entristece. O fumo aconchega-nos. Por causa do fumo, o céu é mais baixo, estamos mais perto do Céu, estamos mais perto uns dos outros, e apetece-nos inspirar a plenos pulmões a ver se conseguimos guardar este fumo e este cheio para o resto do ano, para o resto da vida. Foi assim na quinta-feira, primeiro dia do mês.
Tornei ao Minho. A um sítio que visito agora muito raramente, porque cotão no bolso não paga contas. E volto lá, quando posso, não porque a cozinha seja superlativa (embora continue de uma honestidade a toda a prova), mas porque me afeiçoei àquela gente para quem nós somos também amigos. Fazem-nos sempre uma grande festa, a mim e à minha mulher, cobrem-nos de mimos e só lamentam que as nossas visitas sejam tão espaçadas. Nós também.
A surpresa foi que, no cafezinho ao lado, à porta do qual, depois do almoço, gosto de sentar-me para fumar a minha cachimbada e beber o meu CRF em balão previamente aquecido, enquanto descanso os olhos e a alma nas serranias que não digo e me deito a adivinhar os desenhos das nuvens, também havia saudades. E ali só dizemos bom dia e boa tarde. E obrigado e até à próxima. Mas dizemos.
O certo é que dois clientes, gente da terra - um dos seus 40 anos, outro já da terceira idade -, fizeram questão de vir ter connosco, inesperadamente, primeiro um e depois o outro, para nos dizerem que a nossa falta tinha sido notada: "Já cá não vêm há muito! Têm que aparecer mais vezes! Gostamos de os ter cá"...
Não sei se é do cheiro do Minho. Não sei se é do fumo. Mas este povo é bom. É bom como não há. E não merece os patifes que o estão a empobrecer.
(Texto escrito e publicado pela primeira vez no dia 3 de Dezembro de 2011. A fotografia é muito posterior. Inicio hoje a revisita a uma série de "textos de Natal". E ficamos já combinados: os textos são de Natal apenas porque têm lá algures a palavra Natal ou, regra geral, nem isso. São de Natal porque me apetece.)
Que bom!
ResponderEliminarj.
Mas está-se a acabar, caro j. A begueira da Merkel e o onzeneiro do Sarkozy não querem isto assim. Isto assim não obedece às normas. Estão a acabar os lavradores, os campos vão acabar, a aguardente é contrabando, as fogueiras serão proibidas e o Natal também, o Minho desaparecerá do mapa e as pessoas boas também. Segundo as normas, restarão os filhos da puta e salsichas Bratwurst. Quem estiver mal, que se mude para casa do banana do Passos Coelho.
ResponderEliminarObrigado pela visita e pelo comentário.
Ainda vai durar, amigo Hernâni...
ResponderEliminarE até talvez mais rural. Qualquer dia estamos todos no campo a plantar as nossas couvinhas.
Grande abraço por esta nostalgia
Nestes
Mas quais couvinhas, Nestes? As couves vão ser proibidas. Só de plástico e alemãs é que serão permitidas. E campos, de concentração!
ResponderEliminarObrigado pela visita e pelo comentário. Grande abraço e viva aquele certo e determinado clube!
Compartilho do pessimismo e da amargura.
ResponderEliminarMas é a ironia que me vai trazer mais vezes até este blogue que só hoje descobri...
Boas cachimbadas!
Ana
Obrigado, Ana, pela visita e pela simpatia do comentário. Volte sempre.
ResponderEliminarJá não me lembrava da maçã no vinho. Mas que bom! Senti os pedaços de maçã amaciados pelo vinho na minha boca. Obrigado.
ResponderEliminarAbraço, caro António Daniel.
EliminarQuem seria o cabrão do chino que trouxe as putas das abelhas gigantes que, no Minho, exactamente, no Minho, estão a destruir as nossas colmeias. Que mal teremos nós feito, para levar com tanta M.... chinesa em cima...??? É que nem as gajas se aproveitam. Quanto a esse bendito restaurante, fui lá uma vez contigo, por isso sei bem do que falas!
ResponderEliminarAbraço
G.J.