segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O retrato de Salazar

Também tive a sorte de conhecer a D. Laura Summavielle mãe (1879-1971), uma mulher extraordinária que viveu uma vida muito à frente do seu tempo. Tal como eu a via do alto dos meus oito, nove anos, a matriarca da ínclita geração dos Summavielles era então uma velhinha toda guicha, franzina e pândega. No tempo da ditadura fascista, a senhora tinha uma curiosa brincadeira, que apelava à interacção de Fafe inteiro que lhe passasse por baixo da comprida sacada da casa da família, na Rua Monsenhor Vieira de Castro, mesmo em frente ao Cinema. Fosse quem fosse. Eu também não escapei à partida, mais do que uma vez, e com muito gosto.
Comigo era assim: mal me via aproximar, a marota da D. Laura, de lá de cima, dizia num falsete altivo mas educado:
- Ó menino, apanhe-me aí, por favor, esse retrato do Dr. António de Oliveira Salazar, que eu deixei cair...
E eu lá apanhava. E era o quê? Era mesmo a fotografia do ditador? Não. Era uma carta de jogar, saída de uns baralhos que havia naquela altura e que não sei se ainda existem. Exactamente: afinal, o retrato de Salazar era uma carta. Mas não cuidem que era uma carta qualquer, um duque, uma sena ou, mesmo, um valete. Nem era o rei. Nem o ás. O retrato de Salazar era... o burro.

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