Há que tempos que não me vinha à cabeça a palavra peneirento. Veio-me
ontem, com acento na penúltima sílaba e tudo - "peneirénto" -, como se
diz na minha terra. E devo o momento de tocante nostalgia ao Dr.
Fernando Nobre e à sua mais que esperada renúncia ao cargo de deputado.
Muito obrigado, senhor doutor.
Arrumado contra-vontade no baú das expressões populares, o adjectivo
peneirento tem vindo a ser substituído por sinónimos tão modernos como
vaidoso, presumido, pretensioso, presunçoso ou pedante. Também estão bem
para o caso em apreço, mas não são a mesma coisa.
Fernando Nobre, o antipolítico que apoiou Durão Barroso na ressaca
pós-guterrista e depois se arrependeu, que apoiou Mário Soares, que
apoiou o Bloco de Esquerda, que apoiou António Capucho (PSD) à Câmara de
Cascais, que se apoiou a si próprio à Presidência da República, contra
todos os partidos, e que logo a seguir teve uma recaída social-democrata
para ser "candidato" à presidência da Assembleia da República, não vai
deixar saudades, mas mete pena.
Este percurso aos ziguezagues, que acabou da pior forma com o tremendo
estampanço no Parlamento, é o triste retrato de um homem de 59 anos que
parece que nunca soube o que quer ser quando for grande. A não ser, ser
importante, ser mais que os outros, como o poeta de Florbela.
Ser deputado da Nação é ocupação menor para o fundador da AMI. Nobre,
que sonhara ser a primeira figura do Estado e avisou logo que nunca
aceitaria ser menos do que o segundo na hierarquia nacional, saiu do
Parlamento pela porta pequena e já sem o seu halo de santidade, deixado
para trás das costas em estilhaços.
Ironicamente, a Wikipédia regista Fernando Nobre como "médico,
activista, professor universitário e político português". Político
português! A vaidade, o desastre que foi a sua breve passagem pela arena
política, não pode apagar nem prejudicar sobretudo o seu trabalho
humanitário de anos e anos. Foi uma pena, de facto, tudo o que ele se
fez passar para tentar chegar ao poleiro mais alto. Nobre não merecia
isto de si próprio. Até porque é certamente uma pessoa estimável, um
português excelentíssimo. Mas peneirento.
terça-feira, 14 de setembro de 2021
Fernando Nobre, o peneirento
P.S.
- Publicado originalmente no dia 5 de Julho de 2011, sob o título "O peneirento". Fernando Nobre, que nunca me enganou, pretende agora ser um dos principais rostos do negacionismo
antivacinas e antimáscaras em Portugal. Ainda havemos de o ver candidato do Chega...
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