Houve um tempo, a seguir ao 25 de Abril de 1974 e ao Verão Quente de 
1975, em que as eleições corriam sempre bem, chovesse ou fizesse sol. 
Sobretudo as eleições autárquicas, que eram assim uma coisa mais 
maneirinha, mais caseira, mais privada, para não ir mais longe. Mas era 
geral. O  mapa do País não interessava para nada, a logística era um 
pormenor, os cadernos eleitorais um mero adereço, as chapeladas as do 
costume mas gloriosamente ao contrário. Bebiam-se uns copos à boca das 
urnas e nas urnas  propriamente ditas, fazia-se uma almoçarada com o 
pessoal de serviço de  todos os partidos, que eram o PPD e o "da 
mãozinha" mais o gajo do PC que viera de fora e era um picuinhas e a 
senhora do CDS que era catequista e virgem segundo as últimas sondagens.
 O pai votava pelo filho que era tolinho e estava internado, o  filho 
que era tolinho e estava internado votava pelo pai que já falecera, pai e
 filho votavam pela avó que se encontrava  muito atacadinha e por isso 
não pôde ir, e depois a avó que se encontrava muito atacadinha ia e 
votava também. Havia  quem votasse em dois lados, havia quem votasse 
duas ou três vezes no mesmo lado,  havia quem votasse em dois partidos, e
 valia, havia quem votasse em quantas  freguesias fosse preciso, era só 
dizer, havia quem quisesse e pudesse votar e não  deixavam, havia quem 
se fizesse de ambulância, havia quem se fizesse de parvo, havia quem 
chamasse a polícia, havia quem chamasse o gregório agarrado ao garrafão 
 levado pelo presidente da mesa a mando do presidente da junta. Chegada a
 hora das contas, ia-se aos cadernos e à acta, acrescentava-se aqui,  
desarriscava-se ali, rasgavam-se uns papéis, queimavam-se noves fora 
nada, o  chato do PC também assinava, a beata do CDS amém, e no fim 
batia tudo certo. Podem crer: batia  tudo certo. As eleições eram verdadeiramente livres e democráticas.
Isso. As eleições eram do povo, eram, por assim dizer, um arraial libertário, 
mas cumpriam a função. Trafulhice, aquilo? Não. Bagatelas, pequenos 
truques de ilusionismo,
 alguns até bastante ingénuos e que geralmente acabavam por anular-se 
entre si e nem davam caso.  Agora seria impossível que tal acontecesse, 
com a experiência burocrática entretanto adquirida, com o rigor vigente e
 o cada vez mais apertado controlo nos actos eleitorais, com os doutores
 a tomarem conta. A política chegou em força e escangalhou as autárquicas, que perderam definitivamente a piada. Acabou-se o descaramento, isso é verdade. Agora os 
cambalachos fazem-se pelo soleno... 
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