Há uma senhora que mora na minha padaria. Digo que mora na minha padaria
porque, seja qual for a hora a que eu lá vá - oito, onze, meio-dia,
quatro ou seis da tarde -, ela está lá, na mesa do canto, ao lado do
balcão, quem vai para os lavabos. É exactamente para esse endereço que
as Finanças lhe mandam as contas dos impostos: Dona Fulana de Tal, Mesa
do Canto Ao Lado Do Balcão Quem Vai Para Os Lavabos, 4450-275
Matosinhos.
As padarias hoje em dia são tudo: café, salão de chá, pastelaria,
cervejaria, restaurante, casa de pasto, tasco, pensão, centro de
convívio, sociedade recreativa, quiosque, tabacaria, meeting point,
posto de turismo, guiché de informações variadas. E vendem de tudo, até
pão, o que é curioso. São os tempos que correm: o meu talho também
vende ovos, azeite, queijo, vinho, peixe congelado, feijão, ananás e
pêssego enlatados. E a minha farmácia tem sempre a hortaliça mais fresca
aqui da zona.
Sendo tudo, a minha padaria tem televisão e, portanto, milhões de
opiniões. A campeona do palpite é a cliente residente, cuja, para mal
dos meus pecados, padece de uma voz agreste e guinchada uma oitava acima
como se fosse o Bruno de Carvalho mas ao contrário. Nunca a apanhei
calada...
"Não. O meu filho não gosta de andar!...", anunciava um destes dias a
senhora que mora na minha padaria. "Podes ter gosto", dizia eu cá para
mim. "Um marmanjo com mais de trinta anos e que não gosta de andar. Está
bem, Alfreda! Até eu ando, até eu me rendi à caminhada, e que bem que
me faz...", continuei com os meus botões.
Mas ela insistia, parecia tola a mulher, cheia de orgulho no calaceiro: -
O meu filho não gosta de andar. Não. Não gosta de andar...
"Ai que caralho!", ia eu pensar, quando a senhora que mora na minha
padaria: - Não gosta de andar. Uma casa, nem que fosse pequenina, mas
com tudo, ele preferia. Uma casinha. Andar, não!
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