quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Rogério Rodrigues

Stabat Mater

Mãe, não me lembro dos teus olhos.
Mãe, só me lembro do teu olhar.
Do esquecimento do tempo já não sei
os anos. Exaustos fixamos o futuro
com tantas amarguras do passado
que o sorriso é a última flor
que apertamos de mãos dadas
numa indiscreta ilusão. Somos dois
como "sino dolente na tarde calma".
Vestimos as palavras com trajes decentes
não vá o futuro pesar-nos na memória.

Mãe, quantos dos ecos não respondem à voz
apenas falsos simulacros do que quisemos
dizer? Não ligues, mãe, ao som do pássaro
desavindo com os seus. Errante ao crepúsculo.

Qualquer dia faz anos que a morte nos
ensombrou. Qualquer dia é sempre
um dia em que não sabemos porque
esse dia foi. Esperei esmagado que
os mortos ressuscitassem. Vem aí
o frio. Mãe, aconchega-me no teu
regaço flácido, como se houvera ainda
esperança que a neve nos tornasse
puros e isentos da morte do futuro.

Mãe, não me olhes como se não olhasses.
Deixo nas tuas mãos a última mágoa
de não ter sido feliz. Fui justo para contigo, Mãe.


"(Re)Cantos d'Amar Morto", Rogério Rodrigues

(Rogério Rodrigues, que usava o pseudónimo poético de Pedro Castelhano, nasceu no dia 17 de Fevereiro de 1947. Morreu na passada terça-feira.)

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