Generoso, mais rápido do que uma linha recta
A menor distância entre dois pontos é uma recta? Nem sempre. Às vezes a 
menor distância entre dois pontos pode ser uma curva. Aqui não se trata 
de ciência, é mero exercício de memória. Por exemplo: lembram-se do 
Generoso? Claro que não se lembram do Generoso. Mas eu explico: o 
Generoso era um extremo brasileiro que jogou no SC Braga bem no início 
da década de setenta do século passado, por alturas da segunda divisão, 
se não me engano. O Generoso (e decerto um nome assim nunca foi tão bem 
empregue), o Generoso, dizia eu, era tão rápido, corria tanto, que, 
quando atacava e levava um adversário à ilharga, despossuído de outros e
 melhores argumentos técnicos, chutava a bola para a frente, saía do 
relvado, contornava o defesa pela pista de cinza, e - espantem-se! - 
ainda chegava lá primeiro.
Para que nos entendamos, o relvado e a pista de cinza eram no Estádio 28
 de Maio, em Braga. Sim, antes do 25 de Abril de 1974, o Estádio 1.º de 
Maio chamava-se Estádio 28 de Maio. O que só demonstra (raciocínio 
palerma e suinamente fascistóide) que a Outra Senhora levava 27 dias de 
avanço em relação a Esta Senhora e que as revoluções cometem-se para 
mudar os nomes das ruas, praças, pontes, estádios e outro imobiliário. 
Mas eu também vi o Generoso executar a sua supersónica façanha no então 
pelado do meu Fafe, onde o resvés com os pilares de cimento e com os 
tubos metálicos da vedação conferia um toque extra de emoção e perigo ao
 espectáculo. O Generoso, sempre na mecha e a passar calafriantes tanjas
 ao excelentíssimo público e ao desastre, trazia-me à cabeça o 
encantatório e fanhoso reclame altifalante do poço-da-morte, nos dias 
dos 16 de Maio e da Senhora de Antime: também ali havia "arrojo, 
coragem, audácia, cooommm-ple-to desprezo pela vida". E eu sempre achei 
que o Generoso devia jogar de capacete. 
Quando o 1.º de Maio era no dia 28 do mesmo
Antigamente o 1.º Maio era no dia 28 do mesmo. Quando digo antigamente 
quero dizer antes do 25 de Abril de 1974, que já é antigamente que 
chegue - que o confirmem os deputados da nação, cujos mais de um terço 
ainda não tinham nascido quando a coisa se deu. Um por exemplo: o 
estádio do SC Braga na Ponte, antes da 
extraordinária Pedreira do arquitecto Souto Moura, chamava-se Estádio 28
 de Maio. Por questões políticas e não de calendário litúrgico, rito 
bracarense: chamava-se 28 de Maio glorificando o golpe militar que 
naquela data, em 1926, derrubou a Primeira República e abriu caminho à 
ditadura do Estado Novo. De corte 
fascista, o Estádio 28 de Maio, que ainda está de pé, tentava 
aparentar-se e rivalizar com o 
Estádio Nacional, no Jamor, ou em Oeiras, consoante a dor de cotovelo de
 cada qual, e foi inaugurado, em 1950, por Salazar e Carmona, que assim 
dito até parecem uma alegre sociedade de costureiros. Veio a revolução 
dos cravos e o estádio mudou de nome, passou a chamar-se Estádio 1.º de 
Maio, viva o Dia dos Trabalhadores, viva a classe operária!, mais 
ajuizado seria que se tivesse chamado sempre Campo da Quinta da Mitra.
Em todo o caso,
 mudar o nome do velho estádio de Braga, de 28 de Maio para 1.º de Maio,
 só demonstra (num raciocínio assumidamente palerma e suinamente fascistóide) que a Outra 
Senhora levava 27 dias de avanço em relação a Esta Senhora e que as 
revoluções cometem-se sobretudo e quase só para mudar os nomes das ruas,
 praças, pontes, estádios e outro imobiliário.
Querem outro por exemplo? O Estádio 25 de Abril, de Penafiel. Antes da 
"política", aquele terreiro chamava-se Campo das Leiras. Que mal é que 
tinha o nome?
O 28 de Maio de 1926 foi praticamente como o 25 de Abril de 1974, mas em
 versão fascista. Começou em Braga e chegou a Lisboa atrás do cavalo 
branco de Gomes da Costa, uma espécie de chaimite daquele tempo.  
Antes do 25 de Abril, os 28 de Maio eram celebrados com desfiles, por 
assim dizer, militares: Mocidade Portuguesa, Legião Portuguesa, 
certamente bombeiros e escuteiros, provavelmente ranchos folclóricos e evidentemente soldados propriamente ditos. A Veneranda Figura
 lá estava, mas o de Santa Comba se calhar não, porque constipava muito 
de saísse à rua e o povo fazia-lhe espécie. Havia discursos, 
condecorações e sobretudo muitas fanfarras, a bem da Nação. O bom povo 
português assistia a tudo patrioticamente embebecido, se não me engano 
com aguardente, porque as cerimónias eram de manhã.
Uma vez eu também lá fui. Estava no seminário, em Braga, e os padres levaram-nos. Gostei muito, porque o meu tio Zé de Basto era corneteiro na fanfarra do Regimento de Infantaria 8, hoje Cavalaria 6, e eu já não o via há uma temporada. Pusemos a conversa em dia.
Resumindo e concluindo: Portugal continua a ser na mesma, só o tio Zé é que já não anda na tropa... 
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