terça-feira, 19 de maio de 2015

Algo está a mudar na STCP, não sei se para melhor

Foto Hernâni Von Doellinger

O motorista do 500 era um três-em-um: conduzia, falava ao telemóvel e comia uma sandes - tudo ao mesmo tempo. O que é extraordinário. Eu, que até me tenho em boa conta, se como, não consigo falar ao telemóvel, e, se falo ao telemóvel, não consigo comer. Para além disso, não sei conduzir nem um carrinho de linhas, quanto mais um dúplex de três rodados. O 500 é, com efeito, o autocarro da STCP que faz bissextamente a ligação do Porto a Matosinhos (e vice-versa) pela marginal, e note-se que digo bissextamente porque, numa mesma manhã, um 500 passa pela tabela de Inverno, outro 500 passa pela tabela de Verão, e pelo meio há pelo menos dois ou três 500 que não passam por tabela nenhuma, pura e simplesmente não passam, o que significa mais de uma hora à espera e é para quem quer. Os horários da STCP afixados nas paragens e publicitados na Internet são uma anedota, e a boa disposição faz falta nos tempos que correm. Está certo.
Por definição, os motoristas da STCP conduzem e falam ao telemóvel. Ui, o que eles falam ao telemóvel! E quando raramente relapsam e não falam ao telemóvel, é porque estão à conversa com um estorvador profissional, amigo da corda, geralmente mirone de praia, que se lhes planta ao lado, atravancando a entrada dos passageiros e distraindo a condução. E blá blá, blá blá, blá blá, lá vão ambos todos contentes nos seus ofícios, gajas acima e gajas abaixo, como se não fosse nada com eles.
O meu motorista três-em-um conduzia, portanto, um 500 de rés-do-chão e 1.º andar - a bem dizer, um mil -, o que é ainda mais extraordinário. E, verdade seja dita, sem o estorvador da ordem, falava simplesmente ao telemóvel. E almoçava, o que até se compreende, uma vez que já eram quase duas da tarde.
Ora bem: os trabalhadores da STCP entram hoje em greve. E não vai haver 500 para ninguém. Quer-se dizer que vou ter de andar duas horas a pé, nada de grave e até me faz bem. Que fique registado, eu sou pelas greves. No meu tempo de grevar, grevei com reconhecida competência e indesmentível pertinácia - quem me conhece não me deixa mentir. Quantas vezes me disseram, uns e outros, mais outros do que uns: é pá, camarada, nunca vimos ninguém grevar com tanta categoria como tu! Eu, modesto, limitava-me a dar um jeito ao guarda-sol e a pedir mais um fininho, se faz favor. E ainda não tínhamos descoberto a comodidade das greves às segundas e sextas-feiras.
Confesso que tenho uma certa simpatia pelos motoristas da STCP e pela sua greve. O que eles querem, o que eles querem mesmo, é que os deixem ficar no quentinho do "serviço público", porque trabalhar para o privado fia mais fino. Mas, à boleia da única verdadeira "reivindicação", ficámos também a saber que, pelas contas da Comissão de Trabalhadores, a STCP precisa de mais 150 motoristas e não os mete, que há motoristas que trabalham catorze horas por dia (daí a sandes, depreendo eu) e que realmente os utentes andam a levar um grandessíssimo baile.
Por falar em baile. Outro assunto é a greve dos pilotos da TAP. Que podem ir à merda, os pilotos grevistas, mais a administração da alegada transportadora aérea nacional e mais o Governo que não soube ter mão no caso. À merda, todos! Mas um momento: antes de se sentaram à mesa, gostaria que algum dos comensais me explicasse como é que uma empresa que tem 35 milhões de euros de prejuízo por causa de dez dias de greve não consegue ter mil e duzentos e quarenta e dois milhões e meio de euros de lucro nos outros 355 dias do ano.
Voltando ao meu motorista três-em-um, o tal que conduzia, falava ao telemóvel e comia uma sandes - tudo ao mesmo tempo. Poderão dizer-me que é homem pouco cuidadoso, ainda por cima ao volante de uma bisarma daquele tamanho. Não é essa, porém, a minha opinião. Pelo contrário. Dei-me ao trabalho de reparar: a sandes era de pão integral e tinha folhinha de alface.

(Este texto foi escrito e publicado há uma semana, no dia 11 de Maio. Hoje vi que alguma coisa mudou. O 500 continua a andar no horário que lhe apetece, suprime-se sem aviso prévio nem dó nem piedade do utente antecipadamente pagante, desaparece para parte incerta sobretudo no sentido Porto-Matosinhos, e esta não é, portanto, a novidade. A notícia é que o motorista do 500 vinha guardado por dois robustos seguranças - empresa nova, pareceu-me -, que, honra lhes seja feita, para além de outros préstimos que sinceramente não catrapisquei, estorvavam a entrada dos passageiros com assinalável competência.)

1 comentário:

  1. FANTASMA DO MAYOMBE19 de maio de 2015 às 14:41

    O teu perfil na "ficha técnica" deste "nobel" blog, foi no batalha?

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