Foto Hernâni Von Doellinger |
Por definição, os motoristas da STCP conduzem e falam ao telemóvel. Ui, o que eles falam ao telemóvel! E quando raramente relapsam e não falam ao telemóvel, é porque estão à conversa com um estorvador profissional, amigo da corda, geralmente mirone de praia, que se lhes planta ao lado, atravancando a entrada dos passageiros e distraindo a condução. E blá blá, blá blá, blá blá, lá vão ambos todos contentes nos seus ofícios, gajas acima e gajas abaixo, como se não fosse nada com eles.
O meu motorista três-em-um conduzia, portanto, um 500 de rés-do-chão e 1.º andar - a bem dizer, um mil -, o que é ainda mais extraordinário. E, verdade seja dita, sem o estorvador da ordem, falava simplesmente ao telemóvel. E almoçava, o que até se compreende, uma vez que já eram quase duas da tarde.
Ora bem: os trabalhadores da STCP entram hoje em greve. E não vai haver 500 para ninguém. Quer-se dizer que vou ter de andar duas horas a pé, nada de grave e até me faz bem. Que fique registado, eu sou pelas greves. No meu tempo de grevar, grevei com reconhecida competência e indesmentível pertinácia - quem me conhece não me deixa mentir. Quantas vezes me disseram, uns e outros, mais outros do que uns: é pá, camarada, nunca vimos ninguém grevar com tanta categoria como tu! Eu, modesto, limitava-me a dar um jeito ao guarda-sol e a pedir mais um fininho, se faz favor. E ainda não tínhamos descoberto a comodidade das greves às segundas e sextas-feiras.
Confesso que tenho uma certa simpatia pelos motoristas da STCP e pela sua greve. O que eles querem, o que eles querem mesmo, é que os deixem ficar no quentinho do "serviço público", porque trabalhar para o privado fia mais fino. Mas, à boleia da única verdadeira "reivindicação", ficámos também a saber que, pelas contas da Comissão de Trabalhadores, a STCP precisa de mais 150 motoristas e não os mete, que há motoristas que trabalham catorze horas por dia (daí a sandes, depreendo eu) e que realmente os utentes andam a levar um grandessíssimo baile.
Por falar em baile. Outro assunto é a greve dos pilotos da TAP. Que podem ir à merda, os pilotos grevistas, mais a administração da alegada transportadora aérea nacional e mais o Governo que não soube ter mão no caso. À merda, todos! Mas um momento: antes de se sentaram à mesa, gostaria que algum dos comensais me explicasse como é que uma empresa que tem 35 milhões de euros de prejuízo por causa de dez dias de greve não consegue ter mil e duzentos e quarenta e dois milhões e meio de euros de lucro nos outros 355 dias do ano.
Voltando ao meu motorista três-em-um, o tal que conduzia, falava ao telemóvel e comia uma sandes - tudo ao mesmo tempo. Poderão dizer-me que é homem pouco cuidadoso, ainda por cima ao volante de uma bisarma daquele tamanho. Não é essa, porém, a minha opinião. Pelo contrário. Dei-me ao trabalho de reparar: a sandes era de pão integral e tinha folhinha de alface.
(O episódio do motorista, do telemóvel e da sandes é verdadeiro. Mas não se passou no autocarro da fotografia, nem naquele dia, nem naquele sítio, nem sequer naquele sentido.)
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